terça-feira, dezembro 30, 2003
VIVA O BURUNDI, PÁTRIA DAS LIBERDADES!
A confirmar-se a notícia - e tudo leva a crer que sim - de que Herman José se encontrava ausente do país no dia em que ocorreram os factos que lhe são imputados pelo único crime de que é acusado no processo Casa Pia, mais do que uma enorme "barraca" que poderá enfraquecer a credibilidade da acusação, será a confirmação cabal do absurdo em que se encontra a nossa lei processual penal. Isto é: se em vez de zelarem pelo secretismo processual, os investigadores fossem legalmente vinculados à exibição dos factos aos seus putativos autores quando estes são inquiridos, poupar-se-ia tempo e evitar-se-iam situações melindrosas que atentam manifestamnete contra os mais elementares direitos fundamentais de cidadania.
Depois disto, se não se reformar profundamente o processo penal português, mais nos vale emigrar para o Burundi, pátria das liberdades e dos direitos fundamentais.
A confirmar-se a notícia - e tudo leva a crer que sim - de que Herman José se encontrava ausente do país no dia em que ocorreram os factos que lhe são imputados pelo único crime de que é acusado no processo Casa Pia, mais do que uma enorme "barraca" que poderá enfraquecer a credibilidade da acusação, será a confirmação cabal do absurdo em que se encontra a nossa lei processual penal. Isto é: se em vez de zelarem pelo secretismo processual, os investigadores fossem legalmente vinculados à exibição dos factos aos seus putativos autores quando estes são inquiridos, poupar-se-ia tempo e evitar-se-iam situações melindrosas que atentam manifestamnete contra os mais elementares direitos fundamentais de cidadania.
Depois disto, se não se reformar profundamente o processo penal português, mais nos vale emigrar para o Burundi, pátria das liberdades e dos direitos fundamentais.
segunda-feira, dezembro 29, 2003
CONVICÇÕES E PRESUNÇÕES
Em comunicado lido à comunicação social, Vera Jardim, ao que parece indigitado porta-voz do PS para os assuntos de pedofilia, reafirmou a convicção do seu partido e do Secretário-Geral na inocência de Pedroso. Não seria de aguardar outra reacção, depois da sequência de disparates cometidos na "gestão" deste processo, sobretudo, pela parte de Ferro Rodrigues.
Lamentavelmente, parece que ninguém explicou em tempo útil aos responsáveis socialistas a diferença que existe, num Estado de direito, entre a convicção da inocência e a presunção da inocência de um qualquer cidadão. A primeira, pode e deve fundamentar os sentimentos e as atitudes pessoais. A segunda, é o que sobra para as relações institucionais. Por confundirem uma coisa com a outra, é que o PS e Ferro Rodrigues se encontram na ingrata situação de não conseguirem convencer os portugueses a presumi-los como alternativa séria ao governo social-cristão de Barroso e Portas.
Em comunicado lido à comunicação social, Vera Jardim, ao que parece indigitado porta-voz do PS para os assuntos de pedofilia, reafirmou a convicção do seu partido e do Secretário-Geral na inocência de Pedroso. Não seria de aguardar outra reacção, depois da sequência de disparates cometidos na "gestão" deste processo, sobretudo, pela parte de Ferro Rodrigues.
Lamentavelmente, parece que ninguém explicou em tempo útil aos responsáveis socialistas a diferença que existe, num Estado de direito, entre a convicção da inocência e a presunção da inocência de um qualquer cidadão. A primeira, pode e deve fundamentar os sentimentos e as atitudes pessoais. A segunda, é o que sobra para as relações institucionais. Por confundirem uma coisa com a outra, é que o PS e Ferro Rodrigues se encontram na ingrata situação de não conseguirem convencer os portugueses a presumi-los como alternativa séria ao governo social-cristão de Barroso e Portas.
VAI UMA APOSTINHA?
O meu amigo Carlos Loureiro, a quem aproveito para agradecer as simpáticas palavras que me dirigiu, escreveu há pouco, no seu Mata-Mouros, a propósito da acusação do processo Casa Pia que a abertura de instrução a pedido dos arguidos «manterá o processo em "segredo de justiça" mais alguns meses».
Eu não sei se ele colocou entre cômas a expressão segredo de justiça por estar a referir um termo legal, ou para realçar a ironia contraditória do instituto. De todo o modo, vai aqui uma apostinha, singelo contra dobrado, em como o mais tardar logo à noite, nos noticiários das 20.00 h, o conteúdo da acusação já cá está fora. Alguém quer arriscar?
O meu amigo Carlos Loureiro, a quem aproveito para agradecer as simpáticas palavras que me dirigiu, escreveu há pouco, no seu Mata-Mouros, a propósito da acusação do processo Casa Pia que a abertura de instrução a pedido dos arguidos «manterá o processo em "segredo de justiça" mais alguns meses».
Eu não sei se ele colocou entre cômas a expressão segredo de justiça por estar a referir um termo legal, ou para realçar a ironia contraditória do instituto. De todo o modo, vai aqui uma apostinha, singelo contra dobrado, em como o mais tardar logo à noite, nos noticiários das 20.00 h, o conteúdo da acusação já cá está fora. Alguém quer arriscar?
domingo, dezembro 28, 2003
AS PRESIDENCIAIS, MARCELO, O LEITÃO E O NETINHO
Neste final de ano civil e político pode antever-se, sem especiais dotes de precognição, que, até ao ano de 2006, as eleições presidenciais dominarão o tempo que aí vem.
Dos candidatos putativos à ocupação do Palácio de Belém e ao desempenho da «mais alta magistratura da Nação», onde nada se faz e as horas fluem docemente, estão o hiperactivo Prof. Cavaco, seguramente saudoso do tempo em que o país e o PSD (na altura o PSD era o país) lhe obedeciam mansamente, o hipoactivo Eng. Guterres, desejoso de regressar ao remanso do poder, onde nada fez e nada voltará a fazer, e o monoactivo Santana Lopes, eloquente triunfador do princípio de Peter, enfant térrible eterno, à procura de um lugar onde possa, sem sobressaltos, cumprir dois mandatos consecutivos. A escolha será, em suma, entre o reforço da componente semipresidencialista, com Cavaco, parlamentar, com Guterres, orléanista, com Santana.
De todo o modo, neste cenário aparentemente estabilizado, poderão surgir surpresas. Ou uma surpresa, para sermos mais rigorosos. Ela poderá configurar-se na esperança, sempre nova e tantas vezes adiada, do Prof. Marcelo, a quem, lucidamente, um dia Vasco Pulido Valente vaticinou um «promissor futuro atrás de si».
O homem que um dia abjurou a Cristo para encarnar na liderança do PSD, anunciou hoje, na sua conversa em família da TVI, que, caso todo este ciclópico cenário se desmorone (para o que em nada contribuirá), ele, que aprendeu, por erro próprio, a não profetizar, poderá avançar para Belém.
Será possível semelhante hipótese? Ninguém o diria com convicção até à noite de hoje. Noite, em que o Prof. deixou um inequívoco sinal: nomeou, e exibiu em directo, o seu netinho como «a personalidade do ano». Para ele, claro está. Momento de imensa elevação mediática, que só tem precedente quando o mesmo professor, no mesmíssimo tempo de antena, transportou (e exibiu, também) um magnífico leitão da Bairrada, um reco saborosíssimo, para partilhar e confraternizar com a rapaziada da estação. Não há dúdida de que a corrida presidencial ganhará, com Marcelo, um outro fulgor e um sabor inexperado. Seria como ir de viagem pela Bairrada e, sem que nada o levasse a supor, acabássemos o dia no «Pedro dos Leitões».
Neste final de ano civil e político pode antever-se, sem especiais dotes de precognição, que, até ao ano de 2006, as eleições presidenciais dominarão o tempo que aí vem.
Dos candidatos putativos à ocupação do Palácio de Belém e ao desempenho da «mais alta magistratura da Nação», onde nada se faz e as horas fluem docemente, estão o hiperactivo Prof. Cavaco, seguramente saudoso do tempo em que o país e o PSD (na altura o PSD era o país) lhe obedeciam mansamente, o hipoactivo Eng. Guterres, desejoso de regressar ao remanso do poder, onde nada fez e nada voltará a fazer, e o monoactivo Santana Lopes, eloquente triunfador do princípio de Peter, enfant térrible eterno, à procura de um lugar onde possa, sem sobressaltos, cumprir dois mandatos consecutivos. A escolha será, em suma, entre o reforço da componente semipresidencialista, com Cavaco, parlamentar, com Guterres, orléanista, com Santana.
De todo o modo, neste cenário aparentemente estabilizado, poderão surgir surpresas. Ou uma surpresa, para sermos mais rigorosos. Ela poderá configurar-se na esperança, sempre nova e tantas vezes adiada, do Prof. Marcelo, a quem, lucidamente, um dia Vasco Pulido Valente vaticinou um «promissor futuro atrás de si».
O homem que um dia abjurou a Cristo para encarnar na liderança do PSD, anunciou hoje, na sua conversa em família da TVI, que, caso todo este ciclópico cenário se desmorone (para o que em nada contribuirá), ele, que aprendeu, por erro próprio, a não profetizar, poderá avançar para Belém.
Será possível semelhante hipótese? Ninguém o diria com convicção até à noite de hoje. Noite, em que o Prof. deixou um inequívoco sinal: nomeou, e exibiu em directo, o seu netinho como «a personalidade do ano». Para ele, claro está. Momento de imensa elevação mediática, que só tem precedente quando o mesmo professor, no mesmíssimo tempo de antena, transportou (e exibiu, também) um magnífico leitão da Bairrada, um reco saborosíssimo, para partilhar e confraternizar com a rapaziada da estação. Não há dúdida de que a corrida presidencial ganhará, com Marcelo, um outro fulgor e um sabor inexperado. Seria como ir de viagem pela Bairrada e, sem que nada o levasse a supor, acabássemos o dia no «Pedro dos Leitões».
sábado, dezembro 27, 2003
«O INTERMITENTE»
Constatei apenas hoje, com espanto, que O Intermitente, blogue de consulta diária imprescindível, não figurava na lista dos meus links. Não tendo explicação para o facto, a não ser tratar-se de um lapso absurdo, tratei já de o emendar, pedindo ao Miguel as devidas desculpas.
Constatei apenas hoje, com espanto, que O Intermitente, blogue de consulta diária imprescindível, não figurava na lista dos meus links. Não tendo explicação para o facto, a não ser tratar-se de um lapso absurdo, tratei já de o emendar, pedindo ao Miguel as devidas desculpas.
sexta-feira, dezembro 26, 2003
ABORTO
I. Não existe meio-termo entre a vida e a morte. Nem entre a liberdade e a repressão.
É, por conseguinte, especialmente difícil a um liberal consciente tomar partido claro em defesa ou contra a legalização ou a criminalização do aborto: por um lado, está o inegável direito à vida, direito fundamental antes de todos os demais, sem o qual não há liberdade nem propriedade; por outro, situa-se a defesa da liberdade individual das mulheres e o exercício pleno ao direito de «propriedade sobre si mesmas», citando Rothbard, ou «a propriedade sobre a sua própria pessoa», referindo Locke.
Não colhe, contudo, aqui a opinião do primeiro, em defesa da liberdade de abortar, de que uma vida só se torna plena quando autónoma do corpo que a concebeu, sendo, até lá, propriedade plena da sua progenitora que dela poderá dispor como entender. A meu ver, do ponto de vista liberal, isso seria consagrar a teoria da geração espontânea ou, pior ainda, proclamar como superior o direito de propriedade sobre o direito à vida, o que levaria, in extremis, ao mais terrível instituto contra a liberdade, que é a escravatura.
Quer isto dizer, que é facto assente que a vida nasce na concepção, ainda que ela não seja autónoma senão depois do nascimento. Mas, não será verdade que a autonomia de muitos deficientes é absolutamente reduzida, muitas vezes mesmo até inexistente. Deverá um liberal, ou um libertário, defender o direito pleno sobre essa vida por parte do seu tutor? Poderá ele, no limite, dar por findo o contrato de tutoria pondo termo à vida que está a seu cargo? Seguramente que não.
Eu não diria que, no caso do aborto, o paralelismo seja evidente. Mas, também não parece sensato adoptar como posição liberal a defesa da plena propriedade do ventre a partir da concepção: a existir um contrato, ainda que não desejado (e quantos assim a lei não protege, em defesa das legítimas expectativas da contraparte), ele nasce no acto sexual que origina a concepção. A partir deste momento, existe vida. Em transformação, certamente, em evolução, com certeza: desde o primeiro momento, até ao último, somos sempre diferentes. As nossas características e capacidades evoluem e modificam-se. Em conclusão, para um liberal tanto deve valer a defesa do direito à vida de um ser nascido, como a de um ser concebido. Aquele, sem este, não pode existir. Os grafitis ventrais do «aqui mando eu», não nos podem, por conseguinte, impressionar, senão negativamente.
II. Mas, já nos deverá tocar a repressão que o Estado exerce sobre quem aborta.
Todos conhecemos seguramente inúmeras mulheres, mais ou menos jovens, que o fizeram. Não tenho conhecimento de nenhuma, mesmo as que pateticamente proclamam o império da sua vontade para com o seu ventre, que não tenha ficado profundamente marcada – para a vida toda, diria – pela consumação de um aborto. Na generalidade, desenvolvem, quando mães, uma profunda ternura e afeição pelos seus filhos, que amam como se fossem aqueles cuja existência condenaram. As que não conseguem, no futuro, conceber carregam sobre si um peso mensurável e terrível, que as torna quase sempre profundamente infelizes. Deverá o Estado condenar estas mulheres a penas de prisão? Ou, em substituição, como aventava recentemente um respeitável democrata-cristão, aplicar-lhes contra-ordenações? Fetos abortados até às dez semanas, duzentos euros de multa; com mais de dez semanas e menos de vinte, quatrocentos euros? A democracia-cristã não poderia ser um pouco menos patética?
III. Como imoral e hipócrita é, igualmente, admitir a possibilidade de despenalizar a prática do aborto e criminalizar aqueles que o fazem, ou sejam, os médicos e as parteiras. Obviamente, que ninguém aborta sozinha. Por mais desagradável que nos possa parecer, para abortar, uma mulher tem de recorrer a serviços minimamente especializados. Desagravar as mulheres que abortam e condenar os autores materiais do aborto é um absurdo total.
IV. Existe uma dimensão existencial que é metajurídica. O Estado não deve arrogar-se o direito de legislar sobre tudo. Se repararmos, não há qualquer nexo lógico entre proteger, por via legislativa, uma vida concebida e entretanto abortada, e castigar o que já é, por si mesmo, um castigo. De todo o modo, nunca se chega, por esta via, a tempo.
Ao Estado não resta senão retirar do seu ordenamento jurídico tudo quanto a este tema se refere, considerando que existe uma esfera moral na qual não deverá ser tido nem chamado.
Às entidades sociais, começando pela Igreja Católica que tanto prega sobre o assunto, mas mantém a absurda condenação dos métodos contraceptivos, colocando-os, bem vistas as coisas, no mesmo plano de condenação das práticas abortivas, resta educar os jovens e as mulheres numa vida sexual saudável e condicente com as suas apetências e possibilidades. Ao limitar uma vida sexual consciente, a Igreja é cúmplice de muitos dos abortos que, todos os dias, se praticam, sobretudo, nas nossas mulheres mais jovens. Dessa responsabilidade não se pode libertar, senão percebendo o absurdo e o antagonismo da simultânea condenação do aborto e dos métodos preventivos da concepção, passando a exercer a função pedagógica, ética e moral que lhe deveria caber.
I. Não existe meio-termo entre a vida e a morte. Nem entre a liberdade e a repressão.
É, por conseguinte, especialmente difícil a um liberal consciente tomar partido claro em defesa ou contra a legalização ou a criminalização do aborto: por um lado, está o inegável direito à vida, direito fundamental antes de todos os demais, sem o qual não há liberdade nem propriedade; por outro, situa-se a defesa da liberdade individual das mulheres e o exercício pleno ao direito de «propriedade sobre si mesmas», citando Rothbard, ou «a propriedade sobre a sua própria pessoa», referindo Locke.
Não colhe, contudo, aqui a opinião do primeiro, em defesa da liberdade de abortar, de que uma vida só se torna plena quando autónoma do corpo que a concebeu, sendo, até lá, propriedade plena da sua progenitora que dela poderá dispor como entender. A meu ver, do ponto de vista liberal, isso seria consagrar a teoria da geração espontânea ou, pior ainda, proclamar como superior o direito de propriedade sobre o direito à vida, o que levaria, in extremis, ao mais terrível instituto contra a liberdade, que é a escravatura.
Quer isto dizer, que é facto assente que a vida nasce na concepção, ainda que ela não seja autónoma senão depois do nascimento. Mas, não será verdade que a autonomia de muitos deficientes é absolutamente reduzida, muitas vezes mesmo até inexistente. Deverá um liberal, ou um libertário, defender o direito pleno sobre essa vida por parte do seu tutor? Poderá ele, no limite, dar por findo o contrato de tutoria pondo termo à vida que está a seu cargo? Seguramente que não.
Eu não diria que, no caso do aborto, o paralelismo seja evidente. Mas, também não parece sensato adoptar como posição liberal a defesa da plena propriedade do ventre a partir da concepção: a existir um contrato, ainda que não desejado (e quantos assim a lei não protege, em defesa das legítimas expectativas da contraparte), ele nasce no acto sexual que origina a concepção. A partir deste momento, existe vida. Em transformação, certamente, em evolução, com certeza: desde o primeiro momento, até ao último, somos sempre diferentes. As nossas características e capacidades evoluem e modificam-se. Em conclusão, para um liberal tanto deve valer a defesa do direito à vida de um ser nascido, como a de um ser concebido. Aquele, sem este, não pode existir. Os grafitis ventrais do «aqui mando eu», não nos podem, por conseguinte, impressionar, senão negativamente.
II. Mas, já nos deverá tocar a repressão que o Estado exerce sobre quem aborta.
Todos conhecemos seguramente inúmeras mulheres, mais ou menos jovens, que o fizeram. Não tenho conhecimento de nenhuma, mesmo as que pateticamente proclamam o império da sua vontade para com o seu ventre, que não tenha ficado profundamente marcada – para a vida toda, diria – pela consumação de um aborto. Na generalidade, desenvolvem, quando mães, uma profunda ternura e afeição pelos seus filhos, que amam como se fossem aqueles cuja existência condenaram. As que não conseguem, no futuro, conceber carregam sobre si um peso mensurável e terrível, que as torna quase sempre profundamente infelizes. Deverá o Estado condenar estas mulheres a penas de prisão? Ou, em substituição, como aventava recentemente um respeitável democrata-cristão, aplicar-lhes contra-ordenações? Fetos abortados até às dez semanas, duzentos euros de multa; com mais de dez semanas e menos de vinte, quatrocentos euros? A democracia-cristã não poderia ser um pouco menos patética?
III. Como imoral e hipócrita é, igualmente, admitir a possibilidade de despenalizar a prática do aborto e criminalizar aqueles que o fazem, ou sejam, os médicos e as parteiras. Obviamente, que ninguém aborta sozinha. Por mais desagradável que nos possa parecer, para abortar, uma mulher tem de recorrer a serviços minimamente especializados. Desagravar as mulheres que abortam e condenar os autores materiais do aborto é um absurdo total.
IV. Existe uma dimensão existencial que é metajurídica. O Estado não deve arrogar-se o direito de legislar sobre tudo. Se repararmos, não há qualquer nexo lógico entre proteger, por via legislativa, uma vida concebida e entretanto abortada, e castigar o que já é, por si mesmo, um castigo. De todo o modo, nunca se chega, por esta via, a tempo.
Ao Estado não resta senão retirar do seu ordenamento jurídico tudo quanto a este tema se refere, considerando que existe uma esfera moral na qual não deverá ser tido nem chamado.
Às entidades sociais, começando pela Igreja Católica que tanto prega sobre o assunto, mas mantém a absurda condenação dos métodos contraceptivos, colocando-os, bem vistas as coisas, no mesmo plano de condenação das práticas abortivas, resta educar os jovens e as mulheres numa vida sexual saudável e condicente com as suas apetências e possibilidades. Ao limitar uma vida sexual consciente, a Igreja é cúmplice de muitos dos abortos que, todos os dias, se praticam, sobretudo, nas nossas mulheres mais jovens. Dessa responsabilidade não se pode libertar, senão percebendo o absurdo e o antagonismo da simultânea condenação do aborto e dos métodos preventivos da concepção, passando a exercer a função pedagógica, ética e moral que lhe deveria caber.
terça-feira, dezembro 23, 2003
Tempo de vésperas, fim de ciclo, regresso ao princípio.
É Portugal a olhar o seu reflexo, estendido no rectângulo original, submerso na pequenez e na pobreza de sempre. Em crise profunda, depressão comunitária, sem esperança ou ilusão que lhe valha.
Pagamos o pecado da soberba, com o qual nos fomos enganando nos últimos anos. Circunstancialmente abonados com as especiarias da Índia, o ouro do Brasil, as matérias-primas de África e as divisas dos emigrantes, às quais, verdadeiramente, nunca soubemos dar destino útil ou honrado, criámos nos subsídios comunitários a nossa última ilusão de homens ricos, ou, vá lá, de «europeus de primeira».
Acabado o repasto, apresentada a factura, reduzimo-nos à nossa vital insignificância. Para curar a ressaca e nos continuarmos a iludir, imaginamo-nos importantes e grandiosos, a discutir os destinos da pátria e os do mundo, a supor fantásticos casos mediáticos que nos situam no centro do universo, a delirar com extravagantes e decisivas intervenções na comunidade internacional. «Portugal é útil, tem nichos de excelência, é ouvido e estimado», e, ainda que pouco ou quase nada produzamos, »sairemos em glória da crise económica que nos atafulha, já no ano que aí vem». Entretanto, reforme-se tudo: a justiça e a injustiça, o sector público e o privado, as empresas, as pessoas, os bancos, sim, os bancos de jardim. Pintem-se de novo, com cores vivas e alegres.
Bom Natal e um ano feliz. E, se para o ano cá estivermos, o Cataláxia regressará.
segunda-feira, dezembro 22, 2003
PAIXÃO
quinta-feira, dezembro 18, 2003
VÍCIO