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quinta-feira, julho 31, 2003

AUMENTO DE IMPOSTOS

Embora ainda descortinemos a velha distinção (meramente técnica, salvo melhor opinião) entre imposto e taxa, sendo esta o custo de um bem ou serviço pago pelo seu directo utilizador, do ponto de vista do contribuinte o resultado é o mesmo, tratando-se de serviços e bens que ele não pode deixar de utilizar.
Isso passa-se, naturalmente, com a circulação nas vias de transporte automóvel, que são utilizadas por e em benefício da quase totalidade dos cidadãos portugueses.
Por isso, dizemos que a introdução do pagamento de uma taxa de manutenção das estradas portuguesas, a cobrar brevemente aos automobilistas, segundo declarações do Ministro Carmona Rodrigues, hoje, à «Visão» é mais um imposto disfarçado que o Governo lançará para aumento da sua receita fiscal.
Já não nos bastava pagar os carros mais caros da Europa, suportar um imposto automóvel absurdo, calculado sobre o valor de fabrico da mercadoria somado ao IVA - aliás, case study, em diversas Universidades europeias -, um imposto sobre veículos elevado, seguros obrigatórios e de duvidosa eficácia, e ter as piores estradas da União Europeia. Só nos faltava mesmo sermos obrigados a pagar o direito de as utilizar.
Uma das consequências previsíveis desta medida intervencionista (mais uma) de um Governo que prometera uma política fiscal liberal, será a diminuição da qualidade do nosso parque automóvel e o inevitável aumento da já elevadíssima taxa de sinistralidade na estrada.
Se tudo o que são serviços públicos obrigatórios estiver sujeito a uma taxa, não se compreende qual é, afinal de contas, o destino dos nossos impostos.
MUDE-SE A REALIDADE!

Extraordinária entrevista publicada hoje na «Visão», com o Prof. Figueiredo Dias, Catedrático de Direito da Universidade de Coimbra e putativo pai do sistema penal em vigor.
O Doutor Figueiredo Dias que é conhecido pelos seus próximos como uma excelente pessoa, um bom chefe de família e um professor sapiente, honesto e justo para com os seus alunos, é, como quase todos os criadores, muito zeloso das suas obras. Por isso, quando lhe falam em mudar o sistema (palavra que, segundo o próprio, não lhe agrada, embora a use recorrentemente ao longo da entrevista) ele considera essa hipótese «uma loucura».
E porquê? Porque, segundo o eminente professor, o que está mal não é a lei: «porque as coisas não estão a correr bem, não se ceda à  tentação de mudar a lei. A culpa não é dela».
Este gesto cavalheiresco para com a donzela desprotegida - a lei penal- é, ao longo da entrevista, fundamentado com diversos casos extraí­dos de acontecimentos actuais:

Visão - Mas já há algum consenso sobre alterações ao regime das escutas telefónicas, segredo de Justiça, prisão preventiva...
Jorge Figueiredo Dias - Pode haver erros, talvez, na sua aplicação. Mas dizer-se que a lei processual penal não marca o carácter excepcional da prisão preventiva, só pode ser ou por ignorância ou por má-fé.
V. - Mas parece que os magistrados optam, em regra, e não por excepção, por essa medida...
J.F.D. - É verdade. É a aplicação da lei que está errada.
V. - Os presos preventivos não são suficientemente informados sobre as razões da sua detenção?
J.F.D. - Não é verdade. A lei é muito clara e diz que os arguidos serão devidamente informados.
V. - Deve ser excepcional (o segredo de Justiça) ou manter-se como está?
J.F.D. - Ele está bem.
V. - Mas é sistematicamente violado...
J. F.D. - E depois? (...) O segredo tem de persistir, não deve ser alargado, o que se deve fazer é que ele funcione.
V. - Sente-se, então, tranquilo com o sistema? Não sente medo?
J.F.D. - Do sistema legal não tenho medo nenhum. (...) Mudar o sistema processual penal? De maneira nenhuma.»

Estas e outras passagens da entrevista, chegam a ser de uma ternura positivista enternecedora. O Sr. Professor Figueiredo Dias age para com o sistema penal e processual penal que criou, como um velho pai babado olha e defende as traquinices dos seus petizes:
-«O Zéquinha partiu a jarra?»
-«Não! A jarra é que estava no caminho do Zéquinha!»;
-«O Joãozinho chamou estúpida à avó?»
-«Qual quê! O raio da velha é que está sempre a irritar o menino!»

Em síntese, tudo são processos de aprendizagem, de aderência à  realidade, mesmo quando esta se demonstra extraordinarimente resistente às nossas boas intenções.
Ou, invocando a tradição alegórica do platonismo, atrás da aparente realidade existe a realidade autêntica. Neste caso, a lei do Prof. Dias, um primor de sapiência do mais evoluído que há na Europa e no mundo (como o foi a Constituição de 1976, na qual o insígne mestre também participou) está correcta. Não funciona? Perdão, o que não funciona é a realidade. Mude-se a realidade e tudo ficará como deve ser.

quarta-feira, julho 30, 2003

ESTADO PORTUGUÊS CONTINUA A ROUBAR

Notícia hoje o «Público» que o Ministério das Finanças irá reter o IRS doado pelos cidadãos portugueses para fins religiosos e de beneficência,no ano de 2002, que, de acordo com o previsto na lei, poderia atingir os 0,5% do imposto.
Tal deve-se, segundo o Ministério das Finanças, à falta de regulamentação legislativa da lei em causa, pelo que o Estado português se arroga no direito de arrecadar esta receita.
É evidente que este esquecimento foi oportuno e de conveniência, servindo como fraco pretexto para o Estado aumentar a sua receita fiscal no ano que findou.
Não está aqui em causa a defesa de qualquer valor de matriz religiosa ou clerical, mas tão somente a lei, o direito e o bom nome do Estado português. Se, por exemplo, um cidadão se esquecer de declarar o seu IRS, o que faz o Ministério das Finanças? Fica à espera que ele se lembre? Aceita-lhe um pedido de desculpas e o compromisso de que o mesmo não sucederá no ano seguinte? Parece que não. Então porque é que o Estado português não entrega, a quem de direito, o dinheiro que lhe é devido e que, por falta sua, poderá estar em causa?
A resposta é simples: porque o Estado português não é pessoa de bem e porque os cidadãos portugueses continuam a viver agachados a um poder que supostamente eles instituiram e controlam.
E PORTUGAL, JÁ ESTÁ A ARDER?

Ouvi hoje que o Ministro da Administração Interna proclamou o estado civil de calamidade em alguns pontos do País mais afectados pelos incêndios.
Também o escutei lamentando a tragédia que são os incêndios florestais, a falta de meios e o forte empenho do Governo em diminuir a dimensão destas ocorrências, com efeitos já para o próximo ano. Para este fim, prevêem-se novas aquisições de meios e equipamentos.
Desde que me lembro de prestar alguma atenção ao mundo em que vivo (e já lá vai algum tempo) que me recordo, todos os anos por esta altura, de ver o País a arder e os sucessivos Ministros da tutela a proclamarem a sua incapacidade por falta de meios, a sua forte determinação em alterar o estado das coisas tendo em vista o verão seguinte, e a sua mais profunda admiração pelos «soldados da paz». E, no ano seguinte, voltamos à mesma.
Mais uma vez o Estado manifesta a sua incompetência no exercício das suas funções e em dar um destino útil às receitas que nos cobra compulsivamente.
Se o Estado resulta, ainda que metaforicamente, de um contrato social, pelo qual assume algumas obrigações, a da segurança dos cidadãos e da sua propriedade é garantidamente a primeira. Cobra impostos para esses fins. Gasta os recursos e viola o contrato. E não se diga que o problema está somente na ausência de meios de combate. Ele encontra-se, sobretudo, nos meios de prevenção: florestas limpas e vigiadas trezentos e cinquenta e seis dias por ano, com reforço de meios de vigilância aérea e terrestre na época do verão.

Talvez se o Estado português investisse mais na fiscalização e na prevenção, nos poupasse todos os anos a este triste e grave espectáculo de ver o País a arder. Falta dinheiro para a segurança interna? Mas como, se Portugal se dá ainda ao luxo de manter um Serviço Militar Obrigatório e uma estrutura das Forças Armadas digna da Guerra do Ultramar, trinta anos depois dela ter acabado. Talvez um País da União Europeia, periférico e pequeno como é o nosso, tivesse mais a ganhar em defender-se dos «inimigos» internos do que das temíveis ameaças vindas do exterior.

terça-feira, julho 29, 2003

"BORA AÍ FAZER UM JORNAL!"

Todos estamos recordados dos bons velhos tempos em que, de uma forma ou de outra, fizemos parte das associações de estudantes dos liceus e das universidades que frequentámos.
Quando não havia dinheiro, nem projectos, nem ideias, nem pachorra para trabalhar, o que é que se fazia? Um jornal! Na melhor das hipóteses, uma revista. Colhiam-se meia dúzia de patrocínios locais, algum dinheiro dado pelos Conselhos Directivos, e imprimia-se a coisa numa tipografia conhecida, de preferência próxima do liceu ou da universidade, para se abrir uma "conta corrente" e ficar a dever o dinheiro que não se conseguisse arranjar. Saía um número ou dois, enchiam-se as páginas de fotografias dos membros mais "eminentes" da Direcção, noticiavam-se grandes iniciativas e projectos a concretizar, e por aí­ nos ficávamos. O jornal, ou revista, servia de folheto de publicidade para a associação, ajudava a dar notoriedade aos seus membros (sobretudo ao Presidente), escondia o facto de ninguém fazer coisa nenhuma, e permitia alimentar algumas vaidades pessoais junto das nossas colegas do sexo feminino.

Ora, foi sem grande espanto que hoje, ao abir a caixa do correio, me saiu uma lustrosa publicação da Câmara Municipal do Porto, chamada «Porto Sempre». Trata-se duma bela revista a cores, com quarenta e quatro páginas, bom papel e excelente grafismo. Lá dentro, notí­cias e imagens: dos projectos que a CMP têm em mãos e dos que há-de ter. Uns e outros, hão-de fazer da Invicta cidade «um Porto mais justo», nas magníficas palavras introdutórias do Presidente Rui Rio. Que, por sua vez, ilustra a publicação em excelentes fotografias, invariavelmente com um sorriso de confiança estampado no rosto e uma reforçada dose de brilhantina no sí­tio onde ela deve estar.
Pelos vistos, as coisas correm bem ao executivo camarário, ao seu Presidente e, o mesmo é dizer, à  cidade. Longe vão os tempos das trapalhadas polí­ticas e institucionais, das demoras nos serviços, da falta de andamento das obras, dos projectos por aprovar, meses e meses enfiados em gavetas. Finalmente, a Câmara Municipal do Porto tem uma estratégia, um rumo, obra feita e um Presidente seguro, confiante e tranquilo. Ainda bem.

Há hábitos que não se perdem, Dr. Rui Rio.

domingo, julho 27, 2003

A SUBIR

Na blogosfera portuguesa, pela qualidade geral das 'postas' editadas na última semana:Causa Liberal, Terras do Nunca, Mata-Mouros, Cerco do Porto, O Intermitente e De Esquerda. Este último publicou uma posta sobre tributação e fiscalidade que Cataláxia assinaria sem inconvenientes. A não perder
UMA 'POSTA' À MANEIRA DO Abrupto

Hoje à noite não tinha que fazer. Fui ao Shopping Forum de Aveiro. O primeiro piso do estacionamento estava lotado. O segundo vazio. Os portugueses são mesmo assim: gostam de estacionar no primeiro piso, mesmo que distantes dos elevadores, ainda que tenham de esperar por um lugar vago, porque têm a sensação de quedar à frente dos outros. Eu desci ao segundo piso, estacionei ao lado das escadas rolantes e desloquei-me confortavelmente. Júpiter não estava à vista.

sábado, julho 26, 2003

SEM NADA

O Dr. Manuel Monteiro tem-nos maravilhado e surpreendido com as novidades quase diárias acerca do seu novo partido.
Primeiro, foi a proclamação da novidade absoluta em que a coisa consistia, sintetizada numa ideia de que se fosse para fazer igual ao que existia, o Dr. Monteiro preferia ficar quieto. Foi, segundo o próprio, por ter descoberto, ao fim de quarenta anos de vida profissional intensa, longe das luzes da ribalta, que os «portugueses normais», distantes da vida política, sim, distantes da política, como ele, não se reviam nos partidos existentes, nem podiam dar o seu desinteressado contributo à vida nacional, que decidiu avançar.
Depois foi o estilo. Habituados que estávamos a ver um Monteiro tenso e sisudo, zangado com as tragédias da Pátria, autoritário e disciplinador, por vocação carismática, sentenciador, por necessidade obsessiva de «tornar tudo muito claro», confrontamo-nos agora com um Monteiro descontraído, liberal e europeu, sorridente e negligé.
Em seguida, a natureza genuinamente liberal do partido: sede no Porto e não em Lisboa, convenções, em vez de congressos, escritórios, em vez de sedes, etc.
Hoje, no DN, a mais fresca novidade: «Queremos acabar com a lógica do aparelho partidário», anunciou o líder. E mais disse: em vez de estruturas distritais e concelhias, o seu inovador partido funcionará com «círculos políticos». Embora, por enquanto, desconheçamos em que consiste a novidade, não duvidamos estar perante uma verdadeira revolução na orgânica dos partidos.
Em suma, no partido do Dr. Monteiro, tudo será diferente. Sem nada, nada, nada que o assemelhe aos outros, com pessoal interesseiro e mesquinho, origem e causa das desgraças da Nação: nem valores, nem estilo, nem estrutura, nem interesses, nem orgânica, tudo será diferente. Porque não, então, ir um pouco mais além, e prescindir, por vontade ou destino, de quadros, dirigentes, militantes, votos, deputados, eleitos e eleitores? Aí, sim, o Dr. Monteiro haveria de nos convencer e prestaria um inestimável serviço à Pátria que o viu nascer e que ele tanto ama.
A NÃO PERDER

O Terminator 3, continuação muito razoável da série criada por James Cameron, agora sob a direcção de Jonathan Mostow.
Sem a frescura e o carácter inovador que fizeram de Terminator 2, há doze anos, um clássico do género, a fita aguenta-se muito bem: boa história, excelente ritmo, sentido de humor q.b., sem resvalar para a palhaçada. Tarefa árdua, sobretudo se tivermos em conta que é sempre difícil surpreender num tema tão velho na ficção-cientí­fica como é o da revolta das máquinas, mais do que esgotado quer na literatura, quer no cinema.
De salientar, o imprescindí­vel «Arnold Schwarzenegger, o nosso camarada «Arnie» do Partido Republicano, que supera, com inteligência e humor (entre muitas, a espectacular cena dos óculos à Elton John), a falta de vocação inata com que nasceu para o cinema e, sobretudo, a fantástica Kristanna Loken (donde é que ela saiu?), a nova ameaça da série, uma T-X à  altura dos seus antecessores, com a diferença de que deve ser um enorme prazer estar na sua lista de criaturas a abater.
Aguarda-se a continuação que, a decorrer no universo futurista do day after sugerido no inicio do filme, promete.
Em suma, reconciliei-me com o cinema de ficção-científica, e superei o trauma deixado pelo intragável e presunçoso Matrix Reloaded.
TEMA DA SEMANA: As duas vias do liberalismo

O pensamento liberal europeu encontra-se ligado às experiências históricas concretas da implantação do constitucionalismo, que se dão, regra geral, durante o fim do século XVIII e ao longo de todo o século seguinte. Os ex libris mais marcantes deste movimento são a Revolução Gloriosa (1688), a revolução Americana (1776) e a Revolução Francesa (1789).
Embora inspiradas por distintas sensibilidades filosóficas e políticas, as revoluções liberais partem de um pressuposto comum – a necessidade da limitação do poder soberano -, ponto que encontramos nas obras de todos os autores da época, considerados, por isso, liberais. Na verdade, esses autores oitocentistas ganham dimensão, em boa medida, porque, graças à divulgação e penetração das suas ideias, contribuem para a progressiva substituição dos regimes monárquicos concentracionistas ou absolutistas, a que se vão sucedendo sistemas de governo baseados em regras jurídicas gerais e abstractas, que visam delimitar o poder das instituições soberanas pela consagração dos direitos individuais e da teoria da separação dos poderes. Estas regras e princípios fundamentais, inscritos nas Constituições (1), são o fundamento primeiro do então vindouro Estado de Direito. Na sua origem está o pensamento liberal. A ele, a quem o defendeu e impôs, devemos muito do que hoje são as nossas sociedades democráticas.

Embora tenha origens comuns, o liberalismo não é, no entanto, uma escola com uma única auctoritas, sendo possível, e mesmo até conveniente, distinguirem-se claramente as duas principais correntes que, hoje ainda, fundamentam formas diferenciadas de encarar as instituições sociais e políticas: a Escola Francesa ou revolucionária e a Escola Anglo-Saxónica ou evolucionista. Em bom rigor, conforme concluiremos, apenas a segunda se deve considerar como depositária do pensamento liberal. Vejamos porquê

A Escola Francesa encontra-se ligada ao racionalismo optimista, que é cartesiano nos fundamentos epistemológicos, e rousseauniano nas asserções políticas. Aceitando, como ponto de chegada, a necessidade de limitação do poder político, encara-o todavia como algo que depende da volontée genérale soberana que pode dispor como entender sobre as instituições sociais e políticas (pensamento construtivista, segundo Hayek). Nas Ciências Sociais, aceitando a doutrina da veracitas naturae (2), encaminha-se para o historicismo (3), presumindo que o seu objectivo último é a descoberta das «leis» que regem a história e as sociedades humanas. Em política, no seu extremo limite, é rousseauniana e, consequentemente, revolucionária, sendo sempre construtivista (4) (5), porque supõe ser possível alterar a ordem social, política e institucional, por simples golpes de vontade. Esta doutrina deu suporte teórico à Revolução Francesa e à maior parte das revoluções «liberais» da Europa continental.

A Escola Anglo-Saxónica ou Liberal Clássica, cresceu à sombra do pensamente de autores como John Locke, David Hume, Adam Smith, Alexis de Tocqueville, Edmund Burke, Bernard de Mandeville e, no século XX, tem a sua melhor continuação na Escola Austríaca de Mises, Hayek e Popper. Esta escola baseia-se numa epistemologia realista (todo o conhecimento humano é limitado e condicionado, quer pelos objectos, quer pela natureza do homem) e defende um racionalismo evolucionista (Hayek) ou crítico (Popper), que conduz à ideia de que as instituições sociais e políticas resultam mais da evolução de regras de conduta (espontâneas e não forçosamente pré-concebidas), do que da aplicação de uma qualquer planificação. Para a Escola Clássica, as Ciências Sociais não deverão «propor profecias históricas» (Popper, op. cit.), mas sim tentar descobrir «as consequências não pretendidas das nossas acções» (idem). Em política, «os princípios do liberalismo podem ser descritos como normas para a avaliação – e, se necessário, para a modificação – das instituições existentes; não se destinam a substituir essas instituições. É o que se pode exprimir dizendo que o liberalismo é um credo evolucionário, não revolucionário – a não ser quando confrontado com um regime tirânico» (idem, ibidem, pag. 383).

Assim, em forma de síntese comparativa, podemos dizer que o «liberalismo» francês chega às mesmas instituições políticas de governo constitucional que o liberalismo anglo-saxónico. Mas, até aí e a partir daí, tudo – ou quase tudo – é diferente: a visão social (construtivismo vs. Evolucionismo), os pressupostos epistemológicos (racionalismo cartesiano vs. racionalismo crítico) e as derivações científicas (historicismo vs. Probabilismo hipotético-dedutivo).
A distinção é, por isso, essencialmente de natureza epistemológica, pertencendo a primeira Escola à tradição optimista do racionalismo cartesiano, que entendia tudo estar ao alcance do conhecimento e da razão humana, sendo a segunda partidária de uma epistemologia realista, que aceita como extraordinariamente limitada a nossa capacidade de apreender o que nos rodeia, sendo, por isso, todo o conhecimento humano muito limitado e permanentemente refutável por novas informações.
Como, pelo «liberalismo» francês se chega ao pensamento intervencionista e socialista, é uma evidência. Aqui têm lugar toda a economia planificada keynesiana e marxista que julga serem os homens – sobretudo os que governam – capazes de compreender o mundo e dominá-lo. Daí, os limites ao poder legislativo e judicial deverem ser os que a volontée genérale determinar, ainda que sejam manifestamente avessos aos costumes, tradições e regras do bom senso. Aqui não existem limites ao poder do Estado: se ele é democrático - porque resulta de uma qualquer manifestação da vontade colectiva – e se quem o dirige pode ter acesso a todo o conhecimento essencial ao bom governo, não podem existir quaisquer entraves. Estamos, obviamente, num moderno despotismo esclarecido que, em última instância, diviniza quem governa.
O governo limitado, o governo liberal, é, obviamente, inspirado por uma cultura intelectual de humildade. Como não podemos saber nem prever tudo, devemos deixar aos directos interessados a condução, em primeira instância das suas vidas, dos seus interesses. Só em situações de excepção e que ultrapassam o indivíduo pode o Estado ser um intermediário e mediador. O legislador não pode ultrapassar os limites que são impostos pela sua função – a defesa da propriedade, da liberdade e da igualdade perante a lei e esta conhecerá limites inultrapassáveis. O império da lei não é o do legislador. Estamos, naturalmente, dentro da tradição anglo-saxónica do liberalismo.

Voltaremos, um dia, a este assunto, a fim de melhor o tentarmos compreender.


1. «Constitutionnalisme veut dire gouvernement contenu dans limites», Hayek, Friedrich A., Droit, Legislation et Liberté, vol. 1 : Règles et Ordre, 2ª ed., Presses Universitaires de France, Paris, 1985.
2. «Por “doutrina da verdade evidente” refiro-me à visão optimista de que a verdade é sempre reconhecível quando colocada diante de nós: se ela não se revelar por si só, precisará apenas de ser desvelada ou descoberta. Depois disso, não haverá necessidade de argumentos adicionais. (…) Esta doutrina constitui o âmago dos ensinamentos de Descartes e Bacon». Popper, Karl R., Conjecturas e Refutações, 2ª ed., Ed. Universidade de Brasília, Brasília, 1982, pag. 35.
3. «O ponto de vista de que a evolução da humanidade segue um enredo e que se conseguirmos descobrir esse enredo teremos uma chave para o nosso futuro». Popper, Karl R., idem, pag. 369.
4. «Aquele que ousa lançar-se na empresa de instituir um povo deve sentir-se em condições de poder mudar, por assim dizer, a natureza humana; de transformar cada indivíduo, que, por si mesmo, é um todo perfeito e solitário» Rousseau, Jean-Jacques, O Contrato Social, Livros de Bolso Europa-América, Lisboa, 1974, pag. 44.
5. Segundo Hayek, o construtivismo é «the innocent sounding formula that, since man has himself created the institutions of society and civilasation, he must also be able to alter them at will so as to satisfy his desires or wishes». Hayek, F. A. Von, The Errors of Construtivism, in New Studies in Philosophy, Politics, Economics and the History of Ideas, Routledge, Londres, 1990, pag. 3.


sexta-feira, julho 25, 2003

Sobre o momento que passa

«Para os liberais, leis óptimas eram as que ofereciam a mínima folga à discrição dos órgãos encarregados de as executar, excluindo assim o mais possível a arbitrariedade e o abuso».

L. von Mises, O Intervencionismo, Coimbra, 1944

quinta-feira, julho 24, 2003

Bons blogues

A subir, inequivocamente, pela qualidade excelente de alguns textos e comentários, estão o «Mata-Mouros», o «Fumaças» e o «Veto Político».
Parabéns.

quarta-feira, julho 23, 2003

Privilégio do foro eclesiástico

Apresentando mais uma inequívoca prova da vitalidade do segredo de justiça, o «Público» transcreveu hoje algumas peças processuais relativas a escutas de conversas telefónicas do Dr. Ferro Rodrigues.
Em sequência do que, se retomou já a problemática da reforma da lei que as tutela, opinando a maioria dos «agentes» políticos que deverá existir um foro especial - provavelmente o Supremo Tribunal de Justiça - para autorizar e fiscalizar as escutas feitas a telefones de certas «personalidades», nomeadamente aos políticos em exercício de funções de soberania.
Ora, tentando contribuir para a elevação do debate, pensamos que ele está muito aquém do que deveria ir, devendo abranger todas as relações da classe política com a justiça, e não se limitar a esta picuinhíce que são as escutas telefónicas.
Deste modo, porque não retomar uma velha prática processual portuguesa - o privilégio do foro eclesiástico - que, na Idade Média, reservava os tribunais da Igreja para a aristocracia e os membros do clero, afastando-os da intolerável injustiça de serem julgados pelos tribunais da plebe, diríamos hoje, das «pessoas comuns».
Na verdade, eu creio que para julgar o Sr. Presidente da República, ou o Primeiro Ministro, os membros do governo, do parlamento, dos executivos municipais, dos conselhos de administração das empresas públicas, ninguém melhor do que o Sr. Bispo de Braga ou de Lamego e, em casos muito especiais (escutas ao Sr. Procurador) o Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa.

Agora falando a sério.
Num Estado de Direito, onde vigora o princípio da igualdade, a lei não se aplica em razão da pessoa. Deste modo, é insuportável a ideia de que, em virtude do exercício de funções políticas, certas pessoas, em idênticas situações de outras, tenham qualquer espécie de distinção nas suas relações com a Justiça.
Num Estado de Direito, as escutas teletónicas são situações excepcionalíssimas, justificadas em razão da matéria que envolve os eventuais crimes em inquérito. Talvez se o legislador, em próxima revisão da lei, limitar aos crimes efectivamente mais graves para a segurança dos cidadãos - tráfico de droga, redes de criminalidade violenta organizada, pedofilia, etc. - o recurso às escutas telefónicas, Portugal se consiga aproximar um bocadinho mais de um simulacro de Estado de Direito.


terça-feira, julho 22, 2003

O bom senso de Albuquerque

Embora não nos incluamos entre os inúmeros fans de Fernando Albuquerque, o que é facto é que o vereador das Actividades Económicas da Câmara Municipal do Porto demonstrou um enorme bom senso, a propósito da localização do «El Corte Inglês», na cidade do Porto.
Disse Albuquerque, ao «Jornal de Notícias» de hoje, aquilo que é óbvio:o concelho não pode dispensar um «investimento de mais de 50 milhões de euros», que vai gerar mais de dois mil empregos, pelo que a Câmara deve viabilizar, de imediato, a instalação daquele estabelecimento na zona pretendida da Boavista.



É precisamente sobre a sua localização, que o projecto poderá estar em causa. O Presidente da CMP, Rui Rio, e o vereador do urbanismo Ricardo Figueiredo, deixaram-se envolver numa trapalhada de contornos francamente provincianos, no sentido de obrigar aquele estabelecimento comercial a situar-se no centro da cidade - num prédio devoluto e já antiquado -, ou, em alternativa, no Campo 24 de Agosto, que é uma zona pouco atractiva e sem as características que a empresa, legitimamente, entende convenientes.
Provinciano, porque subjaz em toda esta polémica um proteccionismo saloio daquilo a que se costuma designar por «comércio tradicional». É evidente que uma grande cadeia comercial como o «El Corte Inglés» fará concorrência não só a esse, mas a todo o comércio da cidade e zonas limítrofes. Mas essa - a concorrência - é uma condição sem a qual não existe mercado, caso o ignore o Dr. Rui Rio, ilustre economista da nossa República. Provinciano, também, porque este dirigismo patrioteiro, é mais uma forma de afirmação de soberania (de existência duvidosa) perante uma empresa espanhola, do que uma manifestação de preocupação com os interesses reais das pessoas, manifestamente prejudicadas pela eventual perda de um estabelecimento como este. É uma nova versão do «aqui mandamos nós» e do «não nos submetemos a interesses de espécie alguma, sejam do futebol - Pinto da Costa -, dos lobbys - Pedro Burmester -, ou da finança - «El Corte Inglés». É um discurso um bocado repetitivo e algo maçador.

Por outro lado, a administração daquele centro comercial tem o direito pelo seu lado, já que, em 14 de Dezembro de 2001, o então Secretário de Estado, Fernando Ribeiro Mendes, aprovou a instalação na Boavista, numa área total de 44.000 m2. Nessa medida, o «El Corte Inglés» dispendeu uma verba de 20 milhões de euros na aquisição de um terreno nessa precisa zona. Ora, o Estado português, embora não seja uma pessoa de bem, deverá fazer um esforço para, pelo menos, honrar os contratos que firmou. Não pode, pela simples mudança dos titulares dos órgãos de soberania, pôr em causa direitos adquiridos e expectativas legitimadas por contratos.

Talvez fosse mais recomendável o Presidente da CMP tentar pôr em ordem o seu próprio executivo, e evitar assim as inúmeras trapalhadas em que se tem visto e envolvido a cidade do Porto, em vez de tentar ordenar a livre iniciativa e o comércio, tarefa para que o não vemos minimamente vocacionado.


domingo, julho 20, 2003

Tema da semana

Crise Moral

Ontem, o «Expresso» publicava como manchete principal um artigo subordinado ao tí­tulo - «Juiz de 'Bibi' foi afastado - Queixa envolve magistrado em prát¡cas sexuais com menores». Tais práticas teriam ocorrido há quatro anos, na ilha da Madeira, e seriam a verdadeira razão pela qual o Conselho Superior da Magistratura o teria afastado do primeiro processo judicial do caso «Casa Pia».
Estranhamente, ao longo de todo ao artigo, que ocupava a mancha principal da primeira página e algum espaço ainda na última, não se fazia qualquer referência ao nome do juiz em causa.
De imediato, toda a comunicação social se lançou sobre o tema e colocou na praça pública o nome do primeiro titular desse processo, que se viu confrontado com a notí­cia em várias televisões. O juiz negou, demonstrando a sua inocência com o facto de nunca ter estado colocado na ilha da Madeira.
Hoje mesmo, o «Público» deu uma explicação para o sucedido, escrevendo na pag. 11 que «a 'histeria' em torno deste processo é a explicação avançada por outras fontes para justificar que se avancem com notí­cias de 'grande impacto contra alguém sem que haja a necessária investigação'».
Também neste fim-de-semana se ficou a saber que um tribunal de Lisboa impedira, a tempo, que o semanário «O Crime» publicasse uma reportagem, ao que parece, infundada, sobre práticas sexuais incomuns de Artur Albarran, que envolveriam a participação em orgias ocorridas em resourts de ilhas paradisí­acas. Indignado com a decisão judicial, o director da publicação reagiu afirmando estar em causa a liberdade de imprensa.

Ora, até hoje ninguém estabeleceu ainda uma relação directa e clara entre o mal-estar nacional, gritantemente evidente desde a eclosão do caso «Casa Pia», e o papel desempenhado pela comunicação social, dizendo-se, pelo contrário, que ela presta serviços inestimáveis à  Justiça.
Acontece que ela é a causa primeira e última desta verdadeira crise moral em que está submergida a sociedade portuguesa e nenhuma figura pública se atreve, por medo, a denunciá-lo, porque, o poder da comunicação social no nosso paí­s, pode muito bem destruir boas e firmadas reputações, sem que nada suceda aos seus autores, dado que os tribunais portugueses não têm por hábito incomodar-se com tais práticas. Há algum tempo, dizia-me um jornalista visado num processo judicial por abuso de liberdade de imprensa que, não só não estava nada preocupado com o que lhe pudesse suceder, como, para a sua classe, os «processos judiciais eram medalhas».

Não querendo fazer a história desta situação de absoluta desresponsabilização da comunicação social portuguesa, sempre adiantaremos que ela se inicia, de facto, com a primeira «Escola» de «O Independente», à qual se sucedeu o primeiro grande «blockbuster» da nossa comunicação social que foi o «Caso Moderna» e, depois, os casos Vale e Azevedo, Fátima Felgueiras, Lusófona, Casa Pia, entre muitos outros que não chegaram «a pegar». Todos eles «rendem» anos na imprensa, para consumo ávido de alguns leitores, sobre todos se publicaram inverdades graves, em todos se violou clamorosamente o segredo de justiça, e em nenhum foi condenado um jornal, um director ou um jornalista que fosse.

O que verdadeiramente se passa é que, dada a diminuta dimensão do nosso mercado de consumidores de informação (produto que, seguramente, é «inexporável»), e devido à  liberalização do sector, a nossa comunicação social percebeu que a maneira de sobreviver impunha o alargamento desse mercado e da sua procura. Deste modo, apelaram ao que há de mais baixo na alma humana - a curiosidade mórbida pelo escândalo - e começaram, sem parar, a desmultiplicar os «grandes casos» e as «grandes revelações».
Em tudo isto, se misturou a verdade com a mentira, de modo a que, às costas da primeira, se possam publicar «boas» histórias, sobretudo as que fazem vender muito e rendem farta publicidade. Tome-se, como exemplo, o «Caso Moderna»: iniciado na imprensa como sendo um caso de lavagem de dinheiro proveniente de negócios ilí­citos de droga, prostituição e armas, e que com nada disto se prende, como o demonstrou uma rigorosa investigação da Polí­cia Judiciária.

Ora, todo este lodaçal em que se vê submergida a sociedade portuguesa deve-se, essencialmente, à influência nociva da comunicação social, é bom notar, não só de parte, mas de toda a comunicação social, ávida de firmar a sua quota de mercado perante a concorrência, de aumentar as receitas de publicidade e de ter força para pressionar (leia-se, chantagear, os poderes públicos e as pessoas). O despudor com que se publicam notí­cias escandalosas, se editam imagens obscenas, se contam «histórias» não confirmadas, levou a sociedade portuguesa à pior ideia de si mesma desde as suas mais remotas origens, e que está longe de corresponder à verdade. E, se alguém se atreve a enfrentar a «vaca sagrada», logo ela faz apelo à «liberdade de informação» e ao «segredo profissional».

É evidente, que nada disto está aqui verdadeiramente em causa. É obvio que ninguém age por estas paragens pelo sublime amor à verdade, mas somente pela mais reles necessidade de afirmação concorrencial. E, é também meredianamente claro, que as consequências de tanto despudor e desrespeito pelos direitos mais elementares de cidadania - o bom nome, a honra, a presunção de inocência, a afirmação duma Justiça rigorosa e imparcial -, não têm reparação equivalente, limitando-se, quase sempre, ao exercí­cio do direito de resposta no «correio dos leitores», a um pedido de desculpas em letra mí­uda num pé de página, ou a algumas centenas de contos de indemnização por vidas ou honras desfeitas.

Numa sociedade liberal, o direito à informação é ilimitado. Qualquer publicação inglesa ou norte-americana pode dizer e escrever o que entender sobre qualquer pessoa, seja ou não figura pública. Pode, até, devassar-lhe a vida privada. Mas, se faltar milimetricamente à verdade dos factos, a Justiça, rápida e certeira, é implacável: condena jornalistas à prisão, administradores a pagar indemnizações astronómicas e chega a determinar a suspensão ou o encerramento de orgãos de informação.

Aqui, em Portugal, onde não existe um Estado liberal, enquanto não houver coragem para criar uma lei da comunicação social onde se criem regras gerais e abstractas de deontologia profissional, a cuja violação correspondam punições severas e efectivas, a pouca-vergonha vai continuar.

É necessário e urgente que quem publica notí­cias sobre pessoas concretas tenha a noção clara do imenso poder que tem, ao qual só poderá corresponder, numa sociedade livre, uma imensa responsabilidade. Esta é a essência de uma verdadeira ética liberal.
Se isto não for feito prontamente, Portugal há-de continuar a afundar-se nesta crise moral em que foi submergido pelos media, a promiscuidade completa e absoluta entre os poderes de soberania e o chamado «quarto poder» tenderá a agravar-se, e continuarão a ser violados os direitos fundamentais dos cidadãos, de todos os cidadãos que tenham a desgraça de cair nessa malha de despudor e cumplicidades.

Não é a liberdade de informar que está em causa. É a liberdade de todos nós.


Descanso

Estamos a descansar. Hoje, sábado, nada de novo: corrupção generalizada, juizes pedófilos, segredos de (in)justiça violados, gente mal-disposta, país em crise. É cansativo. É maçador. Quando houver algo de novo, voltamos.

sexta-feira, julho 18, 2003

Bilhetes Postais


Ao Reformador J.D. Pinheiro

«Falar de um governo liberal, realmente, constitui uma contradictio in adjecto. Só a pressão de uma opinião pública unânime obriga o governante a liberalizar; ele, jamais, de motu proprio o faria.

Ludwig von Mises, Liberalismo, 1927
À atenção da Drª Manuela Ferreira Leite

(…) «A contribuição pecuniária é de dois modos: ordinária e extraordinária; a ordinária consiste nos tributos antigos; a extraordinária, no acrescentamento das imposições ordinárias e tributos postos de novo, por certo tempo, conforme a causa e necessidade do Príncipe. (…)
(…) A injustiça que se usa na contribuição ordinária se comete quando os povos são constrangidos a pagar em tempos calamitosos, ou a pagar de antemão, ou se remetem as execuções a ministros violentos, que executando com extorsões e crueldades, fazem parecer injusto e intolerável, o que é justo e devido.
A injustiça da contribuição extraordinária são os tributos demasiados, os donativos multiplicados, o crescimento sobejo dos pedidos, a invenção de tributos novos, as violências e artificiosas espécies de monopólios. (…)
(…) No que todos hão mister para sustento humano, todos os humanos contribuem: no que todos sentem, como é ser lançados para o tributo, se livram.» (…)

Sebastião César de Meneses, Suma Política, 1650,
Reedição Edições Gama, 1965

quinta-feira, julho 17, 2003

O que é a Cataláxia?

Estava a ver que ninguém perguntava... Mas, graças ao blog Veto Político, cujo conteúdo geral apreciamos, aqui vai um excerto da versão francesa de uma das mais importantes obras de Hayek, «Droit, Legislation et Liberté», vol. 2 - «Le Mirage de la Justice Sociale», 2ª ed., PUF, 1986, pp 130 e 131:
«Puisque le nom de «catallactique» a depuis longtemps été proposé pour la science qui étudie l'ordre de marché, et qu'il a récemment été tiré de lóubli, il semble tout indiqué d'adopter un mot correspondant pour l'ordre de marché lui-même. Le terme «catallactique» a été tiré du verbe grege katallatein (ou katallassein) qui signifiait originairement, et de façon éclairante, non seulement «échanger» mais aussi «admettre dans la communauté» et «faire d'un ennemi un ami». De là, l'adjectif «catalactique» a été dérivé pour remplacer «économique» afin de désigner l'espèce de phénomène dont s'occupe la science de la cattalactique. Les anciens Grecs ne connaissaient pas ce terme, et n'avaient pas de substantif correspondant; s'ils en avaient forgé un, c'eût été probablement katallaxia. De là nous pouvons former un mot moderne, catallaxie, que nous emploierons pour désigner l'ordre engendré par l'ajustement mutuel de nombreuses économies individuelles sur un marché. Une catallaxie est ainsi l'espèce particulière d'ordre spontané produit par le marché à travers les actes de gens qui se conforment aux règles juridiques concernant la propriété, les dommages et les contrats».

Vd, também, Ludwig von Mises «La Accion Humana (Tratado de Economia)», Ed. Sopec, S.A., Madrid, 1968, pp. 303 a 332.

A propósito, sobre o tempo, duas ideias: é o bem mais escasso de que dispomos, porque nunca sabemos quando vai terminar, e a sua medida é absolutamente individual e depende do que dele fazemos.

quarta-feira, julho 16, 2003

Segredo de Justiça

Excelente, José Miguel Júdice, hoje, aos microfones da TSF, a respeito da violação sistemática do segredo de justiça. O Bastonário da Ordem dos Advogados propôs que se levasse a sério a prática desse crime, em defesa da liberdade individual, do bom nome dos cidadãos, em última análise, do Estado de Direito. E, para que não fique tudo no pântano do costume, Júdice sugeriu que se abrissem inquéritos aos funcionários das repartições judiciais onde se encontrem os processos violados, constituido-os a todos arguidos, de modo a se apurar a existência, ou não, de responsabilidade criminal. Como bem referiu, é este o procedimento habitual quando existe uma denúncia (por vezes, anónima) em relação a um normal cidadão. Por que hão-de ser diferentes os funcionários judiciais?
Já é tempo de pôr termo a esta vergonha mediática sobre casos judiciais em segredo de justiça, com transcrições de peças processuais na imprensa, televisões e rádios a acompanharem magistrados no exercício de actos solenes, etc. É altura de responsabilizar o Estado, e os seus funcionários, pelo desrespeito da lei. Actos que, quantas vezes, destroçam as vidas de cidadãos que não se conseguem, nem podem pela falta de meios proporcionais, defender das suspeições que sobre eles são lançadas, de forma ignóbil, na comunicação social.
Num Estado de Direito, enquanto não for condenado, um cidadão é inocente. Em Portugal já não é assim, graças aos «julgamentos» da opinião pública promovidos pelos media, que, queira-se ou não, acabam, por mais tenuemente que seja, por influenciar a Justiça.
É bom saber que o Bastonário da Ordem dos Advogados Portugueses quer combater esta prática medieval e repor o Estado de Direito. Embora duvidemos que venha a ser bem sucedido.


terça-feira, julho 15, 2003

Agradecimentos

Aos blogs «Fumaças» e «Picuinhices», pelas referências que nos fizeram.
Continuamos em contacto e «that the force be with you».

segunda-feira, julho 14, 2003

Liberais Portugueses

Embora raros, existem autores portugueses que se aproximaram do pensamento liberal e que Catalaxia irá divulgando. Poucos, é certo, mas bons. Alguns, são mesmo muito bons e, no seu tempo, foram profundamente inovadores. Foi o caso de Fernando Pessoa. Para quem julgava que o poeta era um exaltado defensor de um Estado forte e interveniente, aqui vão algumas palavras extraídas da sua «Sociologia do Comércio (Revista de Comércio e de Contabilidade, Lisboa, 1926):

«(...) Considerada em si mesma, a administração de Estado é o pior de todos os sistemas imagináveis para qualquer das três entidades com que essa administração implica.
De todas as coisas «organizadas», é o Estado, em qualquer parte ou época, a mais mal organizada de todas. E a razão é evidente.
A sociologia é uma pseudo-ciência, ou pelo menos, uma proto-ciência. Não há ciência social, ou, pelo menos, não a há por enquanto. Em matéria social há só opiniões, tão pouco definitivas ou científicas como as que há em matéria artistica ou literária. Desconhecemos por completo que leis regem as sociedades, ignoramos por inteiro o que seja, em sua essência, uma sociedade, porquê e como nasce, segundo que leis se desenvolve, porquê e de que modo se definha e morre. Ninguém ainda sequer definiu satisfatoriamente «sociedade», «progresso» ou «civilização». A humanidade tem-se entretido - desde a formação, na Grécia antiga, do espirito crítico - a idear sistemas políticos e sociais «definitivos»em matéria tão flutuante e incerta como a vida, em assunto ainda tão fora da ciência como a sociedade.
É preciso, contudo, que as sociedades, sejam o que forem, se governem; É forçoso que haja um Estado de qualquer espécie. E esse Estado é chamado a governar uma coisa que não sabe ao certo o que é, a legislar para uma entidade cuja essência desconhece, a orientar um agrupamento que segue (sem dúvida) uma orientação vital que se ignora, derivada de leis naturais que também se ignoram, e que pode portanto ser bem diferente daquela que o Estado pretende imprimir-lhe. (...)
(...) É pois evidente que quanto mais o Estado intervém na vida espontânea da sociedade, mais risco há, se não positivamente mais certeza, de a estar prejudicando. (...)»

Hayek e Popper dificilmente teriam dito melhor!
Causa Liberal

Agradecemos as palavras de boas-vindas que nos foram dirigidas pela «Causa Liberal», que é, a nosso ver, uma das referências da blogosfera.
Continuaremos em contacto.
Notícia o «Expresso»:
«Freitas 'rasgou' peça de teatro»
Aproveitamos para perguntar: Não terá o ilustre Professor nada mais à mão?
Reitores fintam Ministro

Magní­ficos, os Reitores das Universidades públicas portuguesas, preparam-se, uma vez mais, para protelar a execução da nova lei de financiamento do ensino superior público, noticiou o «Expresso» na sua última edição.
Segundo esta, um estudante do ensino superior público estatal poderá vir a pagar entre 420 a 770 euros/ano, o que dará, no limite mí­nimo, 35 euros/mês e, no máximo, 64 euros.
O valor máximo está, desde já, posto de lado, «porque isso seria de uma grande violência para os estudantes e as famí­lias», afirmou Adriano Pimpão, presidente do CRUP. Admite-se, inclusivamente, que o valor se situe nos 357 euros anuais, isto é, no que está em vigor. Ou seja, ficaria tudo na mesma.

Esta é, talvez, a reforma mais séria que o governo tem a oportunidade de realizar nesta legislatura. Porque tem sido eternamente adiada, porque carece de coragem política para enfrentar milhares de pessoas, nomeadamente os estudantes e as suas famí­lias, mas, sobretudo, porque será um marco fundamental no fim da mentalidade socialista que ainda perdura no nosso Paí­s.

Alguém se convenceu, e disso convenceu muita gente, que a Universidade é um bem público de primeira necessidade, no qual o Estado deve gastar recursos sem retorno. Há, até, quem pense que esses estabelecimentos funcionam de graça e que os recursos que utiliza surgem por geração espontânea. Contudo, na sua forma financeira de funcionamento, as Universidades são... como as mercearias, os supermercados, os cabeleireiros: têm despesas e receitas. A diferença entre esses estabelecimentos e todos os demais que operam no mercado, é que as suas receitas não provêm dos directos destinatários (a não ser numa infima parcela) mas do orçamento do Estado, isto é, da generalidade dos contribuintes,sem qualquer distinção.
Isto deve-se à  ideia socialista de que a educação é um investimento pelo qual o Estado se deve responsabilizar pagando-o, porque está a apostar na formação intelectual da sua juventude e, por consequência, no desenvolvimento do Paí­s, que é o seu verdadeiro retorno. E, igualmente, à  ideia keynesiana de investimento público em sectores que irão supostamente gerar bem-estar e potenciar crescimento económico.

Por muitas e diversas razões, estas ideias, no essencial idênticas, estão erradas.

Desde logo, como bem observou Vasco Pulido Valente, há já algum tempo, está por demonstrar que a educação promova o desenvolvimento económico e social. Pelo contrário, nas Nações economicamente desenvolvidas, onde floresceu uma burguesia forte, criaram-se as condições para um ensino de qualidade e excelência. Isto sucedeu, por exemplo na Inglaterra industrializada.
E, também, porque a gratuitidade desresponsabiliza. Alunos e professores. Hoje em dia, já nem o regime prescricional se aplica nas Universidades públicas portuguesas, podendo um «estudante» eternizar-se numa Universidade, sem concluir a sua licenciatura e sem que nada lhe suceda. Quanto aos professores e responsáveis institucionais, também não têm que se esforçar para melhorar a qualidade do produto que oferecem ao mercado, porque o Estado assegura sempre (mesmo em circunstâncias de ruptura orçamental) o pagamento dos seus ordenados. Quando muito, esforçam-se pressionando os governos, pondo os alunos nas ruas e fechando as suas Universidades a cadeado nos momentos de ruptura financeira, para irem buscar mais dinheiro ao orçamento de Estado, isto é, ao bolso do contribuinte.

Mas, sobretudo, porque não há almoços grátis, como disse Milton Friedman. O ensino superior público é caro. Carí­ssimo, em função dos resultados que oferece, se tivermos em conta que Portugal, sendo dos países da União Europeia que percentualmente mais dinheiro gasta com a educação, é o que oferece maior número de analfabetos.
O que é facto é que o mesmo curso (Direito, por exemplo, ou outro qualquer) numa Universidade pública e numa privada, com estruturas semelhantes, professores (quantas vezes os mesmos) frequentemente melhor remunerados na última, custa, pelo menos, cinco vezes mais na primeira. Porquê? Não será certamente pela excelência das condições oferecidas aos alunos no ensino público (estes estão permanentemente a reclamar pela sua falta), nem se nos afiguram diferenças significativas que justifiquem um desnível tão aberrante. Não existe, isso sim, uma lógica empresarial no funcionamento das Universidades públicas, ocorrendo nelas situações de excepção e privilégio (que não cabe aqui desenvolver) em relação ao que ocorre numa empresa normal.

Desejamos coragem e boa-sorte ao ministro Pedro Lynce e ao governo que o integra. Não gostarí­amos de ver na gaveta esta verdadeira reforma que, de resto, não poderá ficar por esta ligeira actualização do valor das propinas, embora a aceitemos como o iní­cio de um novo ciclo e o fim de uma flagrante injustiça social. Justiça social seria, isso sim, implementar, de forma gradual, o cheque-educação, acompanhado de medidas de apoio social para os estudantes com agregados familiares com rendimentos efectivamente reduzidos. E dotar as Universidades e Institutos politécnicos públicos de gestores competentes, com poderes para eliminarem o despesismo que em todas elas se verifica.


domingo, julho 13, 2003

Estamos de parabéns!

Graças ao Matamouros, que foi o primeiro blog a comentar o nosso blog. É sinal de que fomos aceites na blogosfera!
Lamentamos não ter sido suficientemente explícitos quanto às esperanças que depositamos no talento do talentoso Prof. Pinheiro para promover a reforma da administração pública (com minúsculas, s.f.f.), que, de resto, achamos insusceptível de modificações de substância. Quanto ao insigne reformador, vou ali e já venho...
Jorge Nuno está um mãos largas...

...ao contrário do que era com a nova relações públicas do Benfica, pelo menos nos últimos anos da sua longa relação, em que se mostrou «muito agarrado ao dinheiro», ao ponto, segundo Filomena, de ter acentuado essa forretice na «pensão de alimentos».
Ficámos, também, a saber que a nova contemplada pelos sentimentos do Presidente do FC Porto, num breve espaço de tempo, já levou um mercedes SLK (descapotável) e um jipe BMW. Jorge Nuno, por sua vez, «foi viver para o Hotel Tivoli, depois comprou um apartamento em Gaia, que, ao que parece, trocou agora por uma moradia, e acho que comprou também uma moradia em Moledo».
Estão todos de parabéns: Filomena que tem uma nova profissão (embora ressentida pelo desgosto amoroso), Jorge Nuno que parece rejuvenescido por gostar tanto de Moledo, a sua nova Senhora, que não teria obtido mais em tão pouco tempo, nem que ganhasse um concurso televisivo do inefável Jorge Gabriel e, sobretudo, o «Expresso» que brilha mais uma vez no cume do jornalismo nacional.
Só lamentamos que o SLK descapotável não tenha sido oferecido a Filomena, para poder refrescar a testa em passeios pela Foz ao volante da potente máquina.
Nova relações públicas na Luz

Sem dúvida, a contratação do ano no mundo futebolístico, a de Filomena Pinto da Costa como directora de relações públicas do clube da «Luz».
É, pelo menos isso, que a própria adianta como muito provável ao semanário «Expresso», que a publica na página da revista«Única», abraçada a dois animais de pequeno porte.
Entre queixas e lamentos, sobressaí a «dificuldade em arranjar um advogado. Já vou no quarto. Uns desistiram e outro fui eu que o afastei». Espantosa notícia que relança a esperança dos milhares de advogados-estagiários e licenciados em Direito que por aí andam sem fazer nada: quem sabe se a relações públicas do Benfica um dia lhes não bata à porta.
Bater no ceguinho

Claro está, no Presidente da Câmara de Gaia que, aplicando os mais sofisticados meios estatísticos e de cálculo de probabilidades ao seu futuro político, proclamou ao «Expresso» que tem um ou dois por cento de possibilidades de se candidatar à Câmara do Porto. Como encara, também, em percentagem não adiantada mas implicitamente baixa, a hipótese de se voltar a propor a Gaia, ou até a coisa nenhuma (probabilidade que diz ser elevada). Adianta mesmo que admite vir a trabalhar, porque, ao contrário da maior parte dos políticos, ele tem uma profissão (a de médico) e, quem sabe, cansado do ócio da política, se decida finalmente a exercer a profissão que tantos anos de estudo lhe levou, acabando os seus dias num consultório de clínica geral a atender lazarentos.
Qualquer que seja o destino que a sorte lhe (e nos) reserve, o Dr. Luis Filipe Meneses é um homem determinado e considera um desafio a Câmara do Porto. Já o vimos sair em lágrimas do Coliseu dos Recreios de Lisboa apupado pelos «sulistas e liberais» e regressar à ribalta política. Talvez se, há dois anos, tem sido mais afoito e trocado o certo pelo incerto, hoje poderia ser Presidente da Câmara do Porto, ao invés do seu correlegionário Rui Rio, a quem julgara ter reservado, por puro deleite, um derradeiro espatifanço eleitoral. Teríamos poupado milhares de euros em fogo-de-artifício e o Sr. Pinto da Costa evitaria ter de contemplar melancolicamente das margens de Gaia a cidade que o viu nascer e crescer.
Tema da Semana
A Grande Reforma

Quem se dirija ao balcão de uma repartição pública, seja de um tribunal, das forças de segurança, das finanças, de uma universidade, de um hospital ou de qualquer outra, há-de reparar que, quase invarialvelmente, o ní­vel da «janela» que dá acesso ao contacto com o funcionário se situa entre o umbigo e o peito do cidadão médio português. Por isso, sempre que falamos ou ouvimos quem se encontra do lado da administração pública, somos obrigados a dobrar a espinha e, numa desconfortável posição, expor ao que vamos ou ouvir o que querem de nós. Esta arquitectura, aparentemente acidental, negligente ou resultante da concepção artí­stica de um anão, foi, sem tirar nem pôr, uma importante inovação introduzida em França pelo governo napoleónico, com a finalidade de incutir à  cidadania respeito e subserviência pelo funcionário público, manus longa do imperador Napoleão Bonaparte. Cedo se generalizou nos países latinos e de influência francófona e Portugal não só não ficou de fora, como prolongou até aos dias de hoje esta notável reforma.

Que, aliás, está na ordem do dia, dada a especial insistência com que o governo do Dr. Durão Barroso tem vindo a abordar a reforma da nossa administração pública, elegendo-a como paradigma da sua actuação.
Missão de difícil sucesso, já que Portugal falhou esse objectivo, nos anos oitenta, quando ainda era possí­vel atingi-lo e pairava em todo o mundo ocidental um ambiente propí­cio, provocado pela mentalidade desburocratizadora dos governos de Reagan e Thatcher. Estes governantes souberam romper com o peso da administração pública e do funcionalismo - o célebre Civil Service - nos seus paí­ses, racionalizaram a máquina administrativa, modernizaram-na e estancaram o seu crescimento, tornando-as, tanto quanto possí­vel, proporcionais às funções de um Estado Liberal. Confrontado, então, com o dramatismo, mesmo humano, que essas soluções implicariam, Ronald Reagan ter dito: «se não o fizermos, quem o fará? E quando?». Pelo seu lado, a Sra. Thatcher enfrentou todo o tipo de pressões e de greves, que paralizaram a Inglaterra e atrasaram o relançamento da economia, mas foi o preço que teve de pagar pela modernização da Inglaterra.

Em Portugal, onde então se desconfiava da inteligência de Reagan (como hoje da de Bush) e se considerava a Sra. Thatcher uma estouvada de curta duração, não se prestou qualquer atenção a essas medidas. Mais: vindo de uma revoluçãoo que nacionalizara quase toda a economia nacional (a estrangeira escapou por impossibilidade material...), não se estancou o crescimento da administração pública, como se a deixou crescer desmesuradamente sob o pretexto de que a sua ineficácia - provocada pela incompetência e falta de preparação dos seus quadros - se devia à  falta de efectivos. Os anos que se seguiram, o ciclo cavaquista pouco dado a liberalismos, desnacionalizaram parte importante do sector público estatal, mas continuaram a deixar crescer o funcionalismo público. Não se quis, quando ainda havia tempo, ler nem aplicar as lições da Public Choice, de James Buchanan e Gordon Tullock, que lucidamente haviam explicado que «os burocratas, como todos os agentes sociais, são motivados por interesses próprios» (A. Downs, Inside Bureaucracy, Boston, 1967) e não por essa abstração que é o «interesse público». Com a diferença, significativa, de que dispõem ou têm acesso ao ius imperii estadual, o que os coloca bem acima do cidadão normal, e lhes permite criar ou infleunciar as regras da sua conservação e expansão.

Hoje em dia, em Portugal, ninguém sabe ao certo quantos efectivos tem a administração pública. Sensu lato, ela engloba todos os que têm um ví­nculo profissional estável ao Estado português. Entre funcionários administrativos, militares de carreira, polí­ticos, professores do ensino básico, médio e superior, motoristas, consultores, gestores, bancários, autarcas, jornalistas, beneficiários do rendimento mí­nimo, etc., falamos de centenas de milhar, talvez mais de dois milhões de pessoas, que durante toda a sua vida activa esperam não ter de conhecer outro patrão que não o Estado português. Não se pode, obviamente, fazer desaparecer esta gente, matá-la à  fome ou, sequer, reformá-la compulsivamente. è mesmo duvidoso que se consiga impedir a sua normal substituição, dado o gigantismo da máquina e a sua capacidade de regeneração, apoioada por sindicatos e polí­ticos influentes. Disto resulta, como todos percebemos, o empobrecimento do Paí­s, da classe média e dos sectores produtivos da economia nacional, esmagados por uma carga fiscal pesadí­ssima, cujo destino principal é sustentar a administração pública.

Em boa hora, o dr. Durão Barroso teve a feliz ideia de convidar para dirigir esta Grande Reforma o seu velho amigo João de Deus Pinheiro, que é um reformador de longa data. O talentoso Prof. Pinheiro aceitou o convite e prepara-se para nomear (contratar) uma equipa de consultores e assessores, de dimensão ainda ignorada, mas que se prevê grandiosa, dado o gigantismo da missão. Mal esteja constituí­da, deitará mãos à  obra e os resultados não tardarão certamente a aparecer.
Teme-se, porém, para desconforto das vértebras da cidadania, embora com agrado dos ortopedistas e homeopatas, que o ní­vel dos balcões acima referido se mantenha.


Sem proclamações

Este blog não apresenta carta de princípios, nem cartilha de intenções. Será o que dele for sendo feito e, obviamente, não pretende afastar-se do nome que lhe foi dado. Este é o nosso único compromisso.
«O Liberalismo - é bom recordá-lo nos dias de hoje - é a forma suprema da generosidade»

José Ortega y Gasset

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