terça-feira, setembro 30, 2003
O ANARCA CONSTIPADO
Fez algumas correcções à nossa "posta" sobre o ensino superior privado que merecem alguns comentários.
Quanto à Lusíada, é um facto que a CEUL, ou melhor, a sua Assembleia Geral instituíu a Fundação Minerva. E, sendo certo que a administração da Universidade e o essencial do seu património foram transferidos para a nova entidade, a cooperativa continua a existir.
A Católica não pertence ao ensino particular e cooperativo, mas sim ao ensino concordatário. Não se regeu, durante todos estes anos, pelo direito aplicado ao ensino privado, mas por normas contratualizadas entre a Igreja Católica e o Estado Português.
Ignorámos intencionalmente o ensino superior não universitário. Daí a falta de referência ao Piaget e ao ISPA. Sobre o primeiro, consideramo-lo tão anómalo no nosso panorama de ensino, que ainda que estivesse no nosso âmbito de análise, não o abordaríamos. Mas, a pretexto, se nos parece que o futuro das universidades privadas vai ser negro, pior ainda será o dos Institutos. Aqui, a falta de qualidade de ensino é, regra geral, assustadora.
Fez algumas correcções à nossa "posta" sobre o ensino superior privado que merecem alguns comentários.
Quanto à Lusíada, é um facto que a CEUL, ou melhor, a sua Assembleia Geral instituíu a Fundação Minerva. E, sendo certo que a administração da Universidade e o essencial do seu património foram transferidos para a nova entidade, a cooperativa continua a existir.
A Católica não pertence ao ensino particular e cooperativo, mas sim ao ensino concordatário. Não se regeu, durante todos estes anos, pelo direito aplicado ao ensino privado, mas por normas contratualizadas entre a Igreja Católica e o Estado Português.
Ignorámos intencionalmente o ensino superior não universitário. Daí a falta de referência ao Piaget e ao ISPA. Sobre o primeiro, consideramo-lo tão anómalo no nosso panorama de ensino, que ainda que estivesse no nosso âmbito de análise, não o abordaríamos. Mas, a pretexto, se nos parece que o futuro das universidades privadas vai ser negro, pior ainda será o dos Institutos. Aqui, a falta de qualidade de ensino é, regra geral, assustadora.
segunda-feira, setembro 29, 2003
O ENSINO SUPERIOR PRIVADO EM PORTUGAL
1.A HISTÓRIA
O ensino superior privado português, ou melhor, usando a denominação legal, o ensino superior particular e cooperativo português, pondo de lado o ISLA, nasceu, efectivamente, em 1977, com a Universidade Livre, tutelada por uma cooperativa de ensino superior, a Cooperativa de Ensino Universidade Livre.
Essa Universidade juntou todos quantos tinham sido afastados do ensino público no pós-25 de Abril, como Adriano Moreira, Silva Cunha, Gonçalves Proença, Franco Nogueira, Soares Martinez e muitos outros, a algumas personagens que, situando-se ao lado da revolução, cedo se deram mal com ela, como António da Palma Carlos e Luís Arouca. Associou professores universitários de carreira sem, então, qualquer expressão social ou política, como Costa Durão e Baquero Moreno, a jovens promessas, como Santana Lopes, Fernando Seara, Paulo Teixeira Pinto. Politicamente, a Universidade Livre juntou gente da extrema-direita, como António da Cruz Rodrigues, a gente da Opus Dei - Teixeira Pinto e Gonçalo Portocarrero -, a maçons ilustres - Palma Carlos, José Maria Gaspar -, a gente do centro direita, do centro esquerda, do CDS, do PSD e do PS. O denominador comum a todos eles foi o de recuperar um espaço profissional e de intervenção pública, perdido ou diminuído no 25 de Abril, e fundar uma grande Universidade privada, onde se pudesse ensinar à margem da vulgata marxista.
O Estado português, sem capacidade para receber as dezenas de milhares de estudantes que, todos os anos, pretendiam e não conseguiam, entrar no ensino público, autorizou a abertura desta Universidade, com pólos em Lisboa e no Porto. Em dois anos apenas, a Universidade Livre ultrapassou os dez mil alunos.
Era, como facilmente se compreende, uma empresa em regime de monopólio, num mercado que parecia inesgotável e com condições propícias de desenvolvimento e expansão.
Assim, passados os primeiros momentos de união forçada, cedo vieram ao de cima as clivagens, naturalmente existentes entre tanta gente tão distinta. E começa imediatamente uma cisão na cooperativa que levaria ao fim desta e do monopólio que detinha, e ao surgimento de todas as universidades privadas que hoje existem.
A primeira, ainda em vida da Livre, foi a Universidade Internacional, hoje moribunda. Em 1984, em associação com a Universidade brasileira Gama Filho, um grupo de professores da Livre, onde se incluem Bráz de Oliveira, Martins de Carvalho, João Pereira Neto, entre outros, sem desistirem das suas posições na casa-mãe, criam uma instituição paralela, que nunca conseguiria grande projecção.
Com a entrada de Deus Pinheiro no Ministério da Educação, durante o governo do Bloco Central, cedo se percebeu que os problemas da Livre teriam de ter um fim. Inicialmente, o Ministro tentou o afastamento da administração em exercício, presidida por Cruz Rodrigues, insistindo na ascensão dos professores catedráticos a essas funções.
Como legalmente o caminho era longo, Deus Pinheiro estimula o surgimento de novas universidades, atribuindo alvarás aos vários grupos sucessivamente dissidentes da Livre: primeiro, em Lisboa, em 1985, a Lusíada (há um ano, sob o nome de Universidade Livre, a residir na R. da Junqueira, onde ainda hoje está, devido a uma tentativa frustrada de ocupação pelos alunos das instalações da outra Livre, na R. Victor Cordon); depois, em 1986, as Universidades Portucalense e Autónoma de Lisboa; depois, em 1995, a Independente e a Moderna, estas resultantes de cisões na Autónoma e na Lusíada. Mais tarde, em processos paralelos a este, a Fernando Pessoa, a Lusófona e a Atlântica.
Em 1986, por despacho ministerial, João de Deus Pinheiro retira a validade aos cursos da Livre, proibindo-a, na prática, de funcionar. Dessa decisão recorreu a SOGELIVRE (sociedade anónima que, entretanto, substituira, de forma acidentada, a CEUL) para o Supremo Tribunal Administrativo. O acordão deste tribunal não deu acolhimento à pretensões da Livre da Victor Cordon que, em consequência, encerraria as portas durante esse ano lectivo
2.O PECADO ORIGINAL
Em virtude da mentalidade socialista da época, entendeu- se que o ensino superior privado não poderia ser um “negócio”, pelo que, à excepção da Universidade Internacional, todas as Universidades da segunda geração (Lusíada, Autónoma, Portucalense) e algumas da terceira (Lusófona e Moderna) foram instituidas por cooperativas. Só as mais recentes, Independente e Atlântica, formam criadas por sociedades anónimas. Em despacho do, então ministro João de Deus Pinheiro, este considerava o ensino como uma actividade não lucrativa, pelo que deveria ser inibida a outras entidades que não as cooperativas.
Ora, como é sabido, o cooperativismo é o máximo expoente do romantismo socialista de meados do século XIX, nomeadamente de Robert Owen e Charles Fourier. Não existe pior maneira de gerir uma empresa do que esta, que consiste num sistema em que todos os sócios têm igual poder de decisão, seja qual for o capital social que detenham. Por outro lado, graças à regra estruturante do cooperativismo nacional, estabelecida no princípio da porta aberta, todos quantos colaborem com uma instituição, poderão, mais tarde ou mais cedo, ser sócios de pleno direito da cooperativa. O que origina a composição de assembleias gerais numerosas e ingovernáveis, com órgãos sociais que estão sistematicamente a negociar o seu poder com numerosos grupos de sócios.
E, também não pode ser ignorada a extraordinária dificuldade de atrair parceiros, isto é, sócios, para uma empresa deste tipo. Como é que se há-de cativar um empresário a investir neste negócio, se ele mandará tanto como, por exemplo, um professor, um aluno ou um funcionário, que pouco ou nada dispenderam? Também com a banca se sentiram essas dificuldades. O mesmo sendo de dizer no que toca à gestão corrente dos patrimónios, com a permanente ameaça de boicote judicial por parte dos sócios desavindos, o que leva os administradores a temerem passos mais arriscados, perfeitamente vulgares na vida empresarial privada.
O pecado original do ensino superior privado português foi, sem dúvida, a imposição do modelo cooperativo para a sua organização empresarial. É um modelo potenciador de conflitos internos, que não atraí a confiança dos investidores e da banca.
3.CONSEQUÊNCIAS DA IMPOSIÇÃO DO COOPERATIVISMO
A primeira de todas, foi o amadorismo da gestão da maior parte destes estabelecimentos de ensino, que não atraiam verdadeiros profissionais para o sector.
Depois, a conflitualidade permanente nas sociedades, que originou as diversas cisões já conhecidas, gerou péssimos ambientes (de que o da Moderna foi o máximo atingido) e não contribuiu para a tão necessária estabilidade de um sector frágil e em início de consolidação.
Mas, a pior de todas, foi a incapacidade de conseguir parceiros ou de obter confiança bancária, vista a natureza e o tipo da empresa cooperativa, na qual ninguém que entenda de finanças investe um cêntimo. Numa altura de grande recessão na procura, essas parcerias e investidores, fáceis de conseguir numa sociedade anónima, não se quiseram envolver em cooperativas. Compreende-se. O investimento estrangeiro, por maioria de razão, pôs-se sempre à margem deste negócio
Por último há que acrescentar a impossibilidade material e jurídica de converter uma cooperativa em sociedade anónima, ainda que a unanimidade dos sócios assim o deseje. O INSCOOP, mais conhecido pelo Instituto António Sérgio, que zela pelo corporativismo cooperativo, não o permite, de resto, com pleno fundamento legal. O que impede, numa altura de crise e de grave recessão, operarem-se os ajustamentos de mercado que seriam tão úteis e necessários. Seria necessária legislação especial para alterar estas regras. Não existiu, pelo menos até hoje, vontade e coragem política para o fazer.
4.AS RESPONSABILIDADES DO ESTADO
Em todo este processo o Estado tem tido um comportamento farisaico e miserável. É, de resto, este, um óptimo exemplo de como pode ser nociva a intervenção, ainda que correctora, do Estado na vida social. Eu explico.
Primeiro, nas décadas de setenta e oitenta, impotente para resolver um problema de excesso de procura, o Estado deixou abrir, sem qualquer regra, as Universidades privadas que se quisessem implantar.
Depois de abertas, começou a criar legislação restritiva e estranguladora do sector, em vez de ter criado regras rigorosas e sérias ab initio.
Com os governos Guterres, a «paixão da educação» fez com que o Estado investisse o que tinha e o que não tinha no ensino superior público, nomeadamente em áreas de ensino despiciendas, como se veio a provar, fazendo-o crescer a uma quota anual superior a 10%. Ao fim de seis anos de governação socialista, o ensino superior público ultrapassara em mais de 50% a sua dimensão anterior.
Paralelamente a isto, o ensino superior privado limitava-se a gerir o dia a dia, olhando estático para as quotas de mercado perdidas.
Por outro lado, nunca o Estado português se esforçou em criar regras que fizessem dos dois subsistemas de ensino superior – o público e o privado – parceiros complementares. Pelo contrário e, sobretudo a partir dos governos Guterres, a lógica seguida era a de que o ensino privado não tinha qualidade, era explorado por empresários sem escrúpulos, enquanto que no ensino público se concentravam os guardiões da ciência, do rigor e da virtude académica.
5.O CRUP – CONSELHO DE REITORES DAS UNIVERSIDADES PORTUGUESAS
Esplendor máximo deste espírito miserável, é essa instituição malfadada referida em epígrafe. Trata-se de um poderosíssimo lobby de interesses pessoais, políticos e financeiros, que tem vindo a impor as regras de funcionamento do ensino superior em Portugal. Em consequência do que, nos últimos dez anos, foram gastos milhões de contos e de euros em ensino sem procura e, quantas vezes, sem qualidade, só para ganhar mais dinheiro do orçamento da Educação. Este Governo, que está a encerrar muitos desses cursos, sabe bem que isto é verdade.
Por outro lado, o CRUP dedicou-se igualmente a infernizar a vida aos professores que acumulavam responsabilidades e serviço docente nas privadas, de forma a, na prática, impedir que um professor seu lá ensinasse. Consequência, óbvia, do mais sinistro espírito socialista, o resultado destas restrições foi o de esvaziar as universidades privadas de muitos professores de qualidade que, pelo facto de aí ensinarem, não diminuíam os seus predicados no ensino público. Pelo contrário, ganhando melhor e diversificando os seus interesses, muitos deles progrediram durante esse período, de forma assinalável, nas suas carreiras académicas e nas suas vidas pessoais. A legislação draconiana produzida nos governos socialistas e inspirada pelo CRUP, destruíu essa ilusão de co-habitação. O objectivo do CRUP foi sempre o de rebentar com as privadas, para as públicas não perderem os seus privilégios.
6.AS GRAVES RESPONSABILIDADES DAS UNIVERSIDADES PRIVADAS
Certamente que, ao longo deste processo, as privadas e os seus responsáveis tiveram culpas e culpas graves, na degenerescência das suas instituições.
Em primeiro lugar, por não se terem sabido entender: vindos, quase todos os responsáveis, da extinta Universidade Livre, onde ganharam ódios e rancores pessoais inultrapassáveis, não se conseguiram entender, nem para a sua própria salvaguarda.
Basta reparar no seguinte aspecto: na década de noventa o ensino superior privado chegou a ter mais alunos do que o público. Teria, nessa altura, sido fácil impor as regras do jogo ao Ministério da Educação. Criar as suas próprias condições de desenvolvimento. Enfrentar o lobby do ensino público.
Fruto de mentalidades mesquinhas e obtusas, muitas vezes importadas das escolas públicas onde tinham sido professores, os responsáveis pelo ensino superior privado preferiram dar azo aos seus ódios e desavenças pessoais, em vez de se unirem e cartelizarem o sector. E, nesse entremeio, deixaram os reitores da públicas, que se souberam unir, encostá-los à parede. Donde jamais sairão.
Mas, também, não souberam, nem quiseram profissionalizar-se. Poucas apostaram numa efectiva qualidade de ensino. Não se especializaram praticamente em coisa nenhuma, nem desenvolveram nichos de excelência. Foram sempre, por isso, vistas pelo mercado como um bem sucedâneo, uma alternativa. Que, naturalmente, deixa de ser utilizada quando a oferta do bem imitado passa a saciar a procura.
7.CONSEQUÊNCIAS
Por estes factos, as universidades privadas estão, actualmente, vazias. As que o não estão vivem à custa dos alunos dos anos adiantados. Ou de cursos de moda que ficam sobrelotados durante alguns anos, até se perceber a sua inutilidade. Vivem de expedientes académicos e, mais espantoso de tudo, recusam-se a encarar a realidade e proceder ao que seria normal em qualquer sector económico, que é a reorganização da oferta, por via de processos de fusão. Certamente, o facto de terem estruturas cooperativas não ajuda a estas operações. Pelo contrário dificulta-as extraordinariamente. Nalguns casos (fusões de cooperativas com sociedades anónimas) chega mesmo a determinar a sua proibição legal.
Em suma, as universidades privadas, embora algumas ainda o não tenham percebido, aguardam inconscientemente o garrote que lhe há-de dar a morte final. Se bem que, todas ela, à sorrelfa, estão a olhar para as outras, a ver qual fecha as portas em primeiro lugar. Como se a desgraça de uma, não arrastasse todas as outras.
EPÍLOGO
Portugal é o País da União Europeia com menor número de licenciados e maior número de desempregados com qualificação universitária. Alguém é capaz de explicar isto?
1.A HISTÓRIA
O ensino superior privado português, ou melhor, usando a denominação legal, o ensino superior particular e cooperativo português, pondo de lado o ISLA, nasceu, efectivamente, em 1977, com a Universidade Livre, tutelada por uma cooperativa de ensino superior, a Cooperativa de Ensino Universidade Livre.
Essa Universidade juntou todos quantos tinham sido afastados do ensino público no pós-25 de Abril, como Adriano Moreira, Silva Cunha, Gonçalves Proença, Franco Nogueira, Soares Martinez e muitos outros, a algumas personagens que, situando-se ao lado da revolução, cedo se deram mal com ela, como António da Palma Carlos e Luís Arouca. Associou professores universitários de carreira sem, então, qualquer expressão social ou política, como Costa Durão e Baquero Moreno, a jovens promessas, como Santana Lopes, Fernando Seara, Paulo Teixeira Pinto. Politicamente, a Universidade Livre juntou gente da extrema-direita, como António da Cruz Rodrigues, a gente da Opus Dei - Teixeira Pinto e Gonçalo Portocarrero -, a maçons ilustres - Palma Carlos, José Maria Gaspar -, a gente do centro direita, do centro esquerda, do CDS, do PSD e do PS. O denominador comum a todos eles foi o de recuperar um espaço profissional e de intervenção pública, perdido ou diminuído no 25 de Abril, e fundar uma grande Universidade privada, onde se pudesse ensinar à margem da vulgata marxista.
O Estado português, sem capacidade para receber as dezenas de milhares de estudantes que, todos os anos, pretendiam e não conseguiam, entrar no ensino público, autorizou a abertura desta Universidade, com pólos em Lisboa e no Porto. Em dois anos apenas, a Universidade Livre ultrapassou os dez mil alunos.
Era, como facilmente se compreende, uma empresa em regime de monopólio, num mercado que parecia inesgotável e com condições propícias de desenvolvimento e expansão.
Assim, passados os primeiros momentos de união forçada, cedo vieram ao de cima as clivagens, naturalmente existentes entre tanta gente tão distinta. E começa imediatamente uma cisão na cooperativa que levaria ao fim desta e do monopólio que detinha, e ao surgimento de todas as universidades privadas que hoje existem.
A primeira, ainda em vida da Livre, foi a Universidade Internacional, hoje moribunda. Em 1984, em associação com a Universidade brasileira Gama Filho, um grupo de professores da Livre, onde se incluem Bráz de Oliveira, Martins de Carvalho, João Pereira Neto, entre outros, sem desistirem das suas posições na casa-mãe, criam uma instituição paralela, que nunca conseguiria grande projecção.
Com a entrada de Deus Pinheiro no Ministério da Educação, durante o governo do Bloco Central, cedo se percebeu que os problemas da Livre teriam de ter um fim. Inicialmente, o Ministro tentou o afastamento da administração em exercício, presidida por Cruz Rodrigues, insistindo na ascensão dos professores catedráticos a essas funções.
Como legalmente o caminho era longo, Deus Pinheiro estimula o surgimento de novas universidades, atribuindo alvarás aos vários grupos sucessivamente dissidentes da Livre: primeiro, em Lisboa, em 1985, a Lusíada (há um ano, sob o nome de Universidade Livre, a residir na R. da Junqueira, onde ainda hoje está, devido a uma tentativa frustrada de ocupação pelos alunos das instalações da outra Livre, na R. Victor Cordon); depois, em 1986, as Universidades Portucalense e Autónoma de Lisboa; depois, em 1995, a Independente e a Moderna, estas resultantes de cisões na Autónoma e na Lusíada. Mais tarde, em processos paralelos a este, a Fernando Pessoa, a Lusófona e a Atlântica.
Em 1986, por despacho ministerial, João de Deus Pinheiro retira a validade aos cursos da Livre, proibindo-a, na prática, de funcionar. Dessa decisão recorreu a SOGELIVRE (sociedade anónima que, entretanto, substituira, de forma acidentada, a CEUL) para o Supremo Tribunal Administrativo. O acordão deste tribunal não deu acolhimento à pretensões da Livre da Victor Cordon que, em consequência, encerraria as portas durante esse ano lectivo
2.O PECADO ORIGINAL
Em virtude da mentalidade socialista da época, entendeu- se que o ensino superior privado não poderia ser um “negócio”, pelo que, à excepção da Universidade Internacional, todas as Universidades da segunda geração (Lusíada, Autónoma, Portucalense) e algumas da terceira (Lusófona e Moderna) foram instituidas por cooperativas. Só as mais recentes, Independente e Atlântica, formam criadas por sociedades anónimas. Em despacho do, então ministro João de Deus Pinheiro, este considerava o ensino como uma actividade não lucrativa, pelo que deveria ser inibida a outras entidades que não as cooperativas.
Ora, como é sabido, o cooperativismo é o máximo expoente do romantismo socialista de meados do século XIX, nomeadamente de Robert Owen e Charles Fourier. Não existe pior maneira de gerir uma empresa do que esta, que consiste num sistema em que todos os sócios têm igual poder de decisão, seja qual for o capital social que detenham. Por outro lado, graças à regra estruturante do cooperativismo nacional, estabelecida no princípio da porta aberta, todos quantos colaborem com uma instituição, poderão, mais tarde ou mais cedo, ser sócios de pleno direito da cooperativa. O que origina a composição de assembleias gerais numerosas e ingovernáveis, com órgãos sociais que estão sistematicamente a negociar o seu poder com numerosos grupos de sócios.
E, também não pode ser ignorada a extraordinária dificuldade de atrair parceiros, isto é, sócios, para uma empresa deste tipo. Como é que se há-de cativar um empresário a investir neste negócio, se ele mandará tanto como, por exemplo, um professor, um aluno ou um funcionário, que pouco ou nada dispenderam? Também com a banca se sentiram essas dificuldades. O mesmo sendo de dizer no que toca à gestão corrente dos patrimónios, com a permanente ameaça de boicote judicial por parte dos sócios desavindos, o que leva os administradores a temerem passos mais arriscados, perfeitamente vulgares na vida empresarial privada.
O pecado original do ensino superior privado português foi, sem dúvida, a imposição do modelo cooperativo para a sua organização empresarial. É um modelo potenciador de conflitos internos, que não atraí a confiança dos investidores e da banca.
3.CONSEQUÊNCIAS DA IMPOSIÇÃO DO COOPERATIVISMO
A primeira de todas, foi o amadorismo da gestão da maior parte destes estabelecimentos de ensino, que não atraiam verdadeiros profissionais para o sector.
Depois, a conflitualidade permanente nas sociedades, que originou as diversas cisões já conhecidas, gerou péssimos ambientes (de que o da Moderna foi o máximo atingido) e não contribuiu para a tão necessária estabilidade de um sector frágil e em início de consolidação.
Mas, a pior de todas, foi a incapacidade de conseguir parceiros ou de obter confiança bancária, vista a natureza e o tipo da empresa cooperativa, na qual ninguém que entenda de finanças investe um cêntimo. Numa altura de grande recessão na procura, essas parcerias e investidores, fáceis de conseguir numa sociedade anónima, não se quiseram envolver em cooperativas. Compreende-se. O investimento estrangeiro, por maioria de razão, pôs-se sempre à margem deste negócio
Por último há que acrescentar a impossibilidade material e jurídica de converter uma cooperativa em sociedade anónima, ainda que a unanimidade dos sócios assim o deseje. O INSCOOP, mais conhecido pelo Instituto António Sérgio, que zela pelo corporativismo cooperativo, não o permite, de resto, com pleno fundamento legal. O que impede, numa altura de crise e de grave recessão, operarem-se os ajustamentos de mercado que seriam tão úteis e necessários. Seria necessária legislação especial para alterar estas regras. Não existiu, pelo menos até hoje, vontade e coragem política para o fazer.
4.AS RESPONSABILIDADES DO ESTADO
Em todo este processo o Estado tem tido um comportamento farisaico e miserável. É, de resto, este, um óptimo exemplo de como pode ser nociva a intervenção, ainda que correctora, do Estado na vida social. Eu explico.
Primeiro, nas décadas de setenta e oitenta, impotente para resolver um problema de excesso de procura, o Estado deixou abrir, sem qualquer regra, as Universidades privadas que se quisessem implantar.
Depois de abertas, começou a criar legislação restritiva e estranguladora do sector, em vez de ter criado regras rigorosas e sérias ab initio.
Com os governos Guterres, a «paixão da educação» fez com que o Estado investisse o que tinha e o que não tinha no ensino superior público, nomeadamente em áreas de ensino despiciendas, como se veio a provar, fazendo-o crescer a uma quota anual superior a 10%. Ao fim de seis anos de governação socialista, o ensino superior público ultrapassara em mais de 50% a sua dimensão anterior.
Paralelamente a isto, o ensino superior privado limitava-se a gerir o dia a dia, olhando estático para as quotas de mercado perdidas.
Por outro lado, nunca o Estado português se esforçou em criar regras que fizessem dos dois subsistemas de ensino superior – o público e o privado – parceiros complementares. Pelo contrário e, sobretudo a partir dos governos Guterres, a lógica seguida era a de que o ensino privado não tinha qualidade, era explorado por empresários sem escrúpulos, enquanto que no ensino público se concentravam os guardiões da ciência, do rigor e da virtude académica.
5.O CRUP – CONSELHO DE REITORES DAS UNIVERSIDADES PORTUGUESAS
Esplendor máximo deste espírito miserável, é essa instituição malfadada referida em epígrafe. Trata-se de um poderosíssimo lobby de interesses pessoais, políticos e financeiros, que tem vindo a impor as regras de funcionamento do ensino superior em Portugal. Em consequência do que, nos últimos dez anos, foram gastos milhões de contos e de euros em ensino sem procura e, quantas vezes, sem qualidade, só para ganhar mais dinheiro do orçamento da Educação. Este Governo, que está a encerrar muitos desses cursos, sabe bem que isto é verdade.
Por outro lado, o CRUP dedicou-se igualmente a infernizar a vida aos professores que acumulavam responsabilidades e serviço docente nas privadas, de forma a, na prática, impedir que um professor seu lá ensinasse. Consequência, óbvia, do mais sinistro espírito socialista, o resultado destas restrições foi o de esvaziar as universidades privadas de muitos professores de qualidade que, pelo facto de aí ensinarem, não diminuíam os seus predicados no ensino público. Pelo contrário, ganhando melhor e diversificando os seus interesses, muitos deles progrediram durante esse período, de forma assinalável, nas suas carreiras académicas e nas suas vidas pessoais. A legislação draconiana produzida nos governos socialistas e inspirada pelo CRUP, destruíu essa ilusão de co-habitação. O objectivo do CRUP foi sempre o de rebentar com as privadas, para as públicas não perderem os seus privilégios.
6.AS GRAVES RESPONSABILIDADES DAS UNIVERSIDADES PRIVADAS
Certamente que, ao longo deste processo, as privadas e os seus responsáveis tiveram culpas e culpas graves, na degenerescência das suas instituições.
Em primeiro lugar, por não se terem sabido entender: vindos, quase todos os responsáveis, da extinta Universidade Livre, onde ganharam ódios e rancores pessoais inultrapassáveis, não se conseguiram entender, nem para a sua própria salvaguarda.
Basta reparar no seguinte aspecto: na década de noventa o ensino superior privado chegou a ter mais alunos do que o público. Teria, nessa altura, sido fácil impor as regras do jogo ao Ministério da Educação. Criar as suas próprias condições de desenvolvimento. Enfrentar o lobby do ensino público.
Fruto de mentalidades mesquinhas e obtusas, muitas vezes importadas das escolas públicas onde tinham sido professores, os responsáveis pelo ensino superior privado preferiram dar azo aos seus ódios e desavenças pessoais, em vez de se unirem e cartelizarem o sector. E, nesse entremeio, deixaram os reitores da públicas, que se souberam unir, encostá-los à parede. Donde jamais sairão.
Mas, também, não souberam, nem quiseram profissionalizar-se. Poucas apostaram numa efectiva qualidade de ensino. Não se especializaram praticamente em coisa nenhuma, nem desenvolveram nichos de excelência. Foram sempre, por isso, vistas pelo mercado como um bem sucedâneo, uma alternativa. Que, naturalmente, deixa de ser utilizada quando a oferta do bem imitado passa a saciar a procura.
7.CONSEQUÊNCIAS
Por estes factos, as universidades privadas estão, actualmente, vazias. As que o não estão vivem à custa dos alunos dos anos adiantados. Ou de cursos de moda que ficam sobrelotados durante alguns anos, até se perceber a sua inutilidade. Vivem de expedientes académicos e, mais espantoso de tudo, recusam-se a encarar a realidade e proceder ao que seria normal em qualquer sector económico, que é a reorganização da oferta, por via de processos de fusão. Certamente, o facto de terem estruturas cooperativas não ajuda a estas operações. Pelo contrário dificulta-as extraordinariamente. Nalguns casos (fusões de cooperativas com sociedades anónimas) chega mesmo a determinar a sua proibição legal.
Em suma, as universidades privadas, embora algumas ainda o não tenham percebido, aguardam inconscientemente o garrote que lhe há-de dar a morte final. Se bem que, todas ela, à sorrelfa, estão a olhar para as outras, a ver qual fecha as portas em primeiro lugar. Como se a desgraça de uma, não arrastasse todas as outras.
EPÍLOGO
Portugal é o País da União Europeia com menor número de licenciados e maior número de desempregados com qualificação universitária. Alguém é capaz de explicar isto?
ENSINO SUPERIOR PRIVADO
O Paulo Gorjão, no seu Bloguítica-Nacional, respondeu afirmativamente ao repto que aqui lancei há dias sobre o ensino superior privado português. Sugeriu-me, igualmente, que desse início às "hostilidades". É o que farei, o mais brevemente possível. Espero que outros blogues se associem a um debate sobre matéria de tanta importância.
O Paulo Gorjão, no seu Bloguítica-Nacional, respondeu afirmativamente ao repto que aqui lancei há dias sobre o ensino superior privado português. Sugeriu-me, igualmente, que desse início às "hostilidades". É o que farei, o mais brevemente possível. Espero que outros blogues se associem a um debate sobre matéria de tanta importância.
LUZ E SOMBRA
O Rui Semblano honrou-nos com as referências que nos fez e, sobretudo, pelo epíteto - "A Genuína Incerteza" - com que nos catalogou. Dificilmente se poderia sintetizar melhor o espírito deste blogue e o que nele temos vindo a escrever. O Tom & Jerry também não hostilizaria, ainda que fosse passível de uma associação às dialéticas marxista ou hegeliana, das quais estamos manifestamente arredados.
Vindo donde vem, a referência é especialmente elogiosa. É que, esta Sombra já nos ilumina há muito tempo.
O Rui Semblano honrou-nos com as referências que nos fez e, sobretudo, pelo epíteto - "A Genuína Incerteza" - com que nos catalogou. Dificilmente se poderia sintetizar melhor o espírito deste blogue e o que nele temos vindo a escrever. O Tom & Jerry também não hostilizaria, ainda que fosse passível de uma associação às dialéticas marxista ou hegeliana, das quais estamos manifestamente arredados.
Vindo donde vem, a referência é especialmente elogiosa. É que, esta Sombra já nos ilumina há muito tempo.
Granja e Namora reconciliaram-se, em directo para as televisões, num longo e fraterno abraço. A Marcha valeu a pena. Infelizmente o Dr. Rui Rio, a desfilar no Porto, não fez o mesmo ao Dr. Menezes. Teria sido o êxtase total.
PORTAS E JANELAS
Disse também, o presidente do CDS, que o seu partido tinha as janelas abertas para aqueles que nele quisessem entrar.
A última vez que eu entrei pela janela num sítio, foi no Clube de Leça, há para aí uns vinte anos, numa festa para que não tinha sido convidado. Depois disso, saí pelas janelas de alguns locais onde a minha companhia não era devidamente estimada, o que não me deixou boas recordações.
Ao substituir as portas por janelas, o Dr. Paulo evitou de forma generosa o culto da personalidade, ao qual sempre foi avesso.
Disse também, o presidente do CDS, que o seu partido tinha as janelas abertas para aqueles que nele quisessem entrar.
A última vez que eu entrei pela janela num sítio, foi no Clube de Leça, há para aí uns vinte anos, numa festa para que não tinha sido convidado. Depois disso, saí pelas janelas de alguns locais onde a minha companhia não era devidamente estimada, o que não me deixou boas recordações.
Ao substituir as portas por janelas, o Dr. Paulo evitou de forma generosa o culto da personalidade, ao qual sempre foi avesso.
domingo, setembro 28, 2003
CORAJOSO ROSTO
Entusiasmado com a sua própria oratória, o Dr. Portas, hoje, no discurso de encerramento do Congresso do CDS/PP, referiu-se ao porta-voz do partido, o Dr. António Pires de Lima, como «o rosto da coragem».
Eu, por mais esforços que faça a olhar para aquelas faces sugestivas, confesso que não percebo donde veio tal ideia. Devo estar a precisar de mudar de óculos.
Entusiasmado com a sua própria oratória, o Dr. Portas, hoje, no discurso de encerramento do Congresso do CDS/PP, referiu-se ao porta-voz do partido, o Dr. António Pires de Lima, como «o rosto da coragem».
Eu, por mais esforços que faça a olhar para aquelas faces sugestivas, confesso que não percebo donde veio tal ideia. Devo estar a precisar de mudar de óculos.
PODEM DORMIR DESCANSADOS
Com aquele ar aleitoado que Deus lhe deu e uma cuidada gastronomia refinou, o Dr. António Gama Lobo Xavier animou, hoje, o Congresso do CDS/PP com uma boutade automobilística sobre a Nova Democracia. A coisa referiu-se a ultrapassagens à esquerda, à direita e por cima do CDS/PP, do fantasmagórico partido do Dr. Monteiro, qual veículo desgovernado e sem travões. Para sossego da assembleia, o Dr. Xavier avisou que não deixaria que tal acontecesse. Presume-se que, para o evitar, lá estará ele para o que der e vier, como sempre, na primeira linha da defesa do partido, militante de base altruísta e abnegado.
Ora, para quem tanto se tem poupado a esforços na política, aparecendo somente para avivar memórias, marcar ponto e lembrar aos seus vassalos que ainda é dono de um feudozinho pessoal, o Dr. Xavier bem pode perder algum tempo e dinheiro da sua vida empresarial, para se dedicar a tão elevada causa. Com a sanha que o Dr. Monteiro lhes anda (e que, de modo algum, poderá servir de justificação para ter fundado um partido...) bem pode o Dr Xavier arregaçar as mangas, tirar a gravata côr-de-rosa e preparar-se para uma tourada à antiga portuguesa.
Vai ser um prazer e um gozo enorme ver esta minudência que é a direita portuguesa esfarelar-se eleitoralmente nos próximos anos, depois de ter farejado um bocadinho do que é o poder.
Com aquele ar aleitoado que Deus lhe deu e uma cuidada gastronomia refinou, o Dr. António Gama Lobo Xavier animou, hoje, o Congresso do CDS/PP com uma boutade automobilística sobre a Nova Democracia. A coisa referiu-se a ultrapassagens à esquerda, à direita e por cima do CDS/PP, do fantasmagórico partido do Dr. Monteiro, qual veículo desgovernado e sem travões. Para sossego da assembleia, o Dr. Xavier avisou que não deixaria que tal acontecesse. Presume-se que, para o evitar, lá estará ele para o que der e vier, como sempre, na primeira linha da defesa do partido, militante de base altruísta e abnegado.
Ora, para quem tanto se tem poupado a esforços na política, aparecendo somente para avivar memórias, marcar ponto e lembrar aos seus vassalos que ainda é dono de um feudozinho pessoal, o Dr. Xavier bem pode perder algum tempo e dinheiro da sua vida empresarial, para se dedicar a tão elevada causa. Com a sanha que o Dr. Monteiro lhes anda (e que, de modo algum, poderá servir de justificação para ter fundado um partido...) bem pode o Dr Xavier arregaçar as mangas, tirar a gravata côr-de-rosa e preparar-se para uma tourada à antiga portuguesa.
Vai ser um prazer e um gozo enorme ver esta minudência que é a direita portuguesa esfarelar-se eleitoralmente nos próximos anos, depois de ter farejado um bocadinho do que é o poder.
sábado, setembro 27, 2003
TROCAS
Fernando Seara admite "trocar" ou acumular a presidência da Câmara de Sintra com a do Benfica.
O Conselheiro Gama Torres contra-ataca.
Fernando Seara admite "trocar" ou acumular a presidência da Câmara de Sintra com a do Benfica.
O Conselheiro Gama Torres contra-ataca.
SISTEMA ELEITORAL
No seguimento de um debate ocorrido recentemente na blogosfera sobre o assunto em epígrafe, apraz-me registar que a ele se associaram diversos blogues, dos quais destaco A Sombra, o Blog-sem-Nome, a Janela Para o Rio, o No Meio do Atlântico, o Epicurtas, o Mata-Mouros, o Faccioso, o Cidadão Livre, o Terras do Nunca e o Ter Voz.
Entendo que, do muito que foi dito, sobressai a quase unânime opinião de que urge mudar o sistema eleitoral, para mudar o sistema político. Doutro modo, é utópico considerar-se a hipótese de se operarem mudanças profundas que, nomeadamente, aproximem os cidadãos da política e lhes permitam um maior e efectivo controlo do poder político.
Ficou também evidente a saturação e o esgotamento do método de Hondt, cuja subsistência, em Portugal, serve para consagrar interesses instalados, razão pela qual toda a classe política teme em mexer-lhe. A eleição dos deputados em círculos uninominais, mal-grado algumas distorções de representatividade que possa provocar, é inequivocamente mais útil a uma sociedade liberal do que o método em vigor, sendo certo que o sufrágio pode ser por maioria simples, absoluta em duas voltas, ou outro. Pode, ainda, admitir-se a combinação deste sistema com o de um círculo nacional ao qual se aplique um sufrágio proporcional, resultando a composição da assembleia parlamentar desses dois tipos de eleição. E podem, até, procurar-se outras combinações, que não se esgotam nas referidas. Ficar como está, é que não.
Salientava apenas um aspecto, sugerido por alguns blogues, que me parece ser a impossibilidade da eleição, em sistema parlamentar, em separado do executivo e do legislativo.
Ensina-nos a Ciência Política que esse é o método utilizado no sistema presidencial, no qual o chefe do executivo é eleito directamente e escolhe o seu governo de acordo com a sua vontade, e menos com a da câmara, ou câmaras, parlamentar, embora seja por ela politicamente controlado. É o que se passa no sistema de governo dos EUA, onde existe uma separação efectiva entre o executivo e o legislativo (dividido em duas câmaras: o senado e a dos representantes), ao ponto do controlo político do primeiro pelo segundo não incluir o poder de destituição, excepto do próprio presidente, por razões de natureza criminal (é o célebre «impeachment», aplicado, uma vez, no Brasil e outra nos EUA) e não políticas. Por outro lado, o presidente também não pode dissolver as câmaras, gerando-se assim um equilíbrio delicado e exigente entre os máximos órgãos de soberania do Estado.
Nos sistemas parlamentares, o executivo encontra a sua legitimidade sempre no parlamento. Embora, nalguns casos, como no nosso, devido à degenerescência provocada pelo sistema eleitoral, as pessoas tenham a convicção de que elegem o primeiro-ministro quando votam para a assembleia, quando isso só parcialmente corresponde à verdade. Por outro lado, no parlamentarismo a assembleia pode destituir o governo e a queda deste provocada, por exemplo, pela demissão ou exoneração do primeiro-ministro, implica quase sempre a dissolução da câmara parlamentar e a convocação de eleições legislativas antecipadas.
Entre estes dois sistemas, Maurice Duverger fez notar a possível existência de um modelo intermédio, ao qual chamou semipresidencialismo. Seriam os casos actuais da França, da Irlanda e Portugal, entre outros. Aqui, o Chefe de Estado eleito em sufrágio universal directo dispõe de outra legitimidade que não possui nos sistemas parlamentares puros (Reino Unido, Alemanha, Itália), com poderes constitucionais e políticos correspondentes. Nomeadamente, o poder de dissolver a assembleia, destituir o primeiro-ministro e o governo, ainda que estes tenham apoio parlamentar, e vetar legislação. Isto deve-se, em parte, ao facto da legitimidade do Chefe de Estado nestes sistemas ser considerável, visto tratar-se de um órgão eleito pela totalidade dos eleitores, ao passo que no parlamentarismo é designado pelas regras sucessórias (monarquias) ou por colégios eleitorais restritos de origem parlamentar (Alemanha e Itália)
Por isso, não é possível conceber um sistema parlamentar com uma dupla eleição do parlamento e do governo. A essência do parlamentarismo está na legitimidade parlamentar do executivo e isso implica que este se encontre na completa dependência política daquele. Que esta regra seja subvertida por sistemas eleitorais, como o nosso, que permitem ao chefe do governo, invariavelmente líder do partido maioritário, condicionar a composição das listas dos seus deputados, é um facto. Daí, a importância dos círculos uninominais, das candidaturas independentes dos partidos, etc. Estas e outras alterações, podem atenuar a excessiva dependência dos parlamentos face aos partidos e aos governos, que ocorre frequentemente nestes sistemas, fazendo regressar o equilíbrio original que existia entre estes dois órgãos de soberania.
Qualquer eleição directa do chefe do executivo faria com que abandonássemos o parlamentarismo e entrássemos num modelo presidencialista, conforme caracterizámos atrás. O parlamentarismo não subsiste, naturalmente, a um executivo cuja legitimidade democrática não assente em si. É, porém, uma possibilidade, embora creia que não seja a que melhor se coaduna com as nossas necessidades.
No seguimento de um debate ocorrido recentemente na blogosfera sobre o assunto em epígrafe, apraz-me registar que a ele se associaram diversos blogues, dos quais destaco A Sombra, o Blog-sem-Nome, a Janela Para o Rio, o No Meio do Atlântico, o Epicurtas, o Mata-Mouros, o Faccioso, o Cidadão Livre, o Terras do Nunca e o Ter Voz.
Entendo que, do muito que foi dito, sobressai a quase unânime opinião de que urge mudar o sistema eleitoral, para mudar o sistema político. Doutro modo, é utópico considerar-se a hipótese de se operarem mudanças profundas que, nomeadamente, aproximem os cidadãos da política e lhes permitam um maior e efectivo controlo do poder político.
Ficou também evidente a saturação e o esgotamento do método de Hondt, cuja subsistência, em Portugal, serve para consagrar interesses instalados, razão pela qual toda a classe política teme em mexer-lhe. A eleição dos deputados em círculos uninominais, mal-grado algumas distorções de representatividade que possa provocar, é inequivocamente mais útil a uma sociedade liberal do que o método em vigor, sendo certo que o sufrágio pode ser por maioria simples, absoluta em duas voltas, ou outro. Pode, ainda, admitir-se a combinação deste sistema com o de um círculo nacional ao qual se aplique um sufrágio proporcional, resultando a composição da assembleia parlamentar desses dois tipos de eleição. E podem, até, procurar-se outras combinações, que não se esgotam nas referidas. Ficar como está, é que não.
Salientava apenas um aspecto, sugerido por alguns blogues, que me parece ser a impossibilidade da eleição, em sistema parlamentar, em separado do executivo e do legislativo.
Ensina-nos a Ciência Política que esse é o método utilizado no sistema presidencial, no qual o chefe do executivo é eleito directamente e escolhe o seu governo de acordo com a sua vontade, e menos com a da câmara, ou câmaras, parlamentar, embora seja por ela politicamente controlado. É o que se passa no sistema de governo dos EUA, onde existe uma separação efectiva entre o executivo e o legislativo (dividido em duas câmaras: o senado e a dos representantes), ao ponto do controlo político do primeiro pelo segundo não incluir o poder de destituição, excepto do próprio presidente, por razões de natureza criminal (é o célebre «impeachment», aplicado, uma vez, no Brasil e outra nos EUA) e não políticas. Por outro lado, o presidente também não pode dissolver as câmaras, gerando-se assim um equilíbrio delicado e exigente entre os máximos órgãos de soberania do Estado.
Nos sistemas parlamentares, o executivo encontra a sua legitimidade sempre no parlamento. Embora, nalguns casos, como no nosso, devido à degenerescência provocada pelo sistema eleitoral, as pessoas tenham a convicção de que elegem o primeiro-ministro quando votam para a assembleia, quando isso só parcialmente corresponde à verdade. Por outro lado, no parlamentarismo a assembleia pode destituir o governo e a queda deste provocada, por exemplo, pela demissão ou exoneração do primeiro-ministro, implica quase sempre a dissolução da câmara parlamentar e a convocação de eleições legislativas antecipadas.
Entre estes dois sistemas, Maurice Duverger fez notar a possível existência de um modelo intermédio, ao qual chamou semipresidencialismo. Seriam os casos actuais da França, da Irlanda e Portugal, entre outros. Aqui, o Chefe de Estado eleito em sufrágio universal directo dispõe de outra legitimidade que não possui nos sistemas parlamentares puros (Reino Unido, Alemanha, Itália), com poderes constitucionais e políticos correspondentes. Nomeadamente, o poder de dissolver a assembleia, destituir o primeiro-ministro e o governo, ainda que estes tenham apoio parlamentar, e vetar legislação. Isto deve-se, em parte, ao facto da legitimidade do Chefe de Estado nestes sistemas ser considerável, visto tratar-se de um órgão eleito pela totalidade dos eleitores, ao passo que no parlamentarismo é designado pelas regras sucessórias (monarquias) ou por colégios eleitorais restritos de origem parlamentar (Alemanha e Itália)
Por isso, não é possível conceber um sistema parlamentar com uma dupla eleição do parlamento e do governo. A essência do parlamentarismo está na legitimidade parlamentar do executivo e isso implica que este se encontre na completa dependência política daquele. Que esta regra seja subvertida por sistemas eleitorais, como o nosso, que permitem ao chefe do governo, invariavelmente líder do partido maioritário, condicionar a composição das listas dos seus deputados, é um facto. Daí, a importância dos círculos uninominais, das candidaturas independentes dos partidos, etc. Estas e outras alterações, podem atenuar a excessiva dependência dos parlamentos face aos partidos e aos governos, que ocorre frequentemente nestes sistemas, fazendo regressar o equilíbrio original que existia entre estes dois órgãos de soberania.
Qualquer eleição directa do chefe do executivo faria com que abandonássemos o parlamentarismo e entrássemos num modelo presidencialista, conforme caracterizámos atrás. O parlamentarismo não subsiste, naturalmente, a um executivo cuja legitimidade democrática não assente em si. É, porém, uma possibilidade, embora creia que não seja a que melhor se coaduna com as nossas necessidades.
ENSINO SUPERIOR PRIVADO
Os jornais de hoje dão conta de que o ranking das escolas de ensino secundário põe as privadas nos primeiros lugares da tabela, em quantidade e a uma distância consideráveis.
Porque é que o mesmo não ocorreu com as escolas do ensino superior privado? Penso tratar-se de um debate a fazer com urgência, para o qual poderei dar algumas contribuições, assim haja quem o queira travar na blogosfera.
Os jornais de hoje dão conta de que o ranking das escolas de ensino secundário põe as privadas nos primeiros lugares da tabela, em quantidade e a uma distância consideráveis.
Porque é que o mesmo não ocorreu com as escolas do ensino superior privado? Penso tratar-se de um debate a fazer com urgência, para o qual poderei dar algumas contribuições, assim haja quem o queira travar na blogosfera.
O RATO QUE RUGE
Num artigo “liberalmente correcto” publicado esta semana no O Independente, o Dr. Vasco Rato esforça-se por estabelecer uma ortodoxia para aquilo que ele entende ser a «nova direita» portuguesa.
O artigo é um amontoado de banalidades, ao jeito das que o Dr. Rato nos tem habituado ao longo dos anos, tem um título equívoco, a fazer lembrar a direita anti-liberal de Alain de Benoist, e justifica-se, a meu ver, por uma afirmação enxertada a despropósito sobre essa nova e exultante direita “que obviamente não se revê nas tolices da Nova democracia de Manuel Monteiro”. Isto, após ter referido no parágrafo imediatamente anterior a existência de “uma velha direita moralista e intolerante, incapaz de compreender que os tempos mudam”, "xenófoba, chauvinista e ultranacionalista". Por associação óbvia, a direita de Monteiro.
Ora, aqui no Cataláxia não podemos ser acusados de Monteirismo ou de simpatia pela sua intervenção política, como abundantemente deixam entender o que escrevemos sobre o assunto. Intervenção política que, de resto, à excepção de um azougado discurso sobre os infortúnios da falta de virtude do Dr. Portas, não existe. Por conseguinte, parece-nos que o Dr. Rato estará a ver para além da realidade e a qualificar o, pelo menos por enquanto, inqualificável, dada a sua pura e simples inexistência.
Ou será que o Dr. Rato, preocupado com o futuro, estará com os olhinhos postos no horizonte, mais precisamente em Matosinhos, à espera de alguma coisa que lhe caía em sorte?
Huuuum! Cá para mim, aqui há gato!
Num artigo “liberalmente correcto” publicado esta semana no O Independente, o Dr. Vasco Rato esforça-se por estabelecer uma ortodoxia para aquilo que ele entende ser a «nova direita» portuguesa.
O artigo é um amontoado de banalidades, ao jeito das que o Dr. Rato nos tem habituado ao longo dos anos, tem um título equívoco, a fazer lembrar a direita anti-liberal de Alain de Benoist, e justifica-se, a meu ver, por uma afirmação enxertada a despropósito sobre essa nova e exultante direita “que obviamente não se revê nas tolices da Nova democracia de Manuel Monteiro”. Isto, após ter referido no parágrafo imediatamente anterior a existência de “uma velha direita moralista e intolerante, incapaz de compreender que os tempos mudam”, "xenófoba, chauvinista e ultranacionalista". Por associação óbvia, a direita de Monteiro.
Ora, aqui no Cataláxia não podemos ser acusados de Monteirismo ou de simpatia pela sua intervenção política, como abundantemente deixam entender o que escrevemos sobre o assunto. Intervenção política que, de resto, à excepção de um azougado discurso sobre os infortúnios da falta de virtude do Dr. Portas, não existe. Por conseguinte, parece-nos que o Dr. Rato estará a ver para além da realidade e a qualificar o, pelo menos por enquanto, inqualificável, dada a sua pura e simples inexistência.
Ou será que o Dr. Rato, preocupado com o futuro, estará com os olhinhos postos no horizonte, mais precisamente em Matosinhos, à espera de alguma coisa que lhe caía em sorte?
Huuuum! Cá para mim, aqui há gato!
VÃ GLÓRIA
De bestial a besta passou num ápice o juiz Rui Teixeira, conhecidos os acórdãos do Tribunal Constitucional sobre o processo da Casa Pia.
Incensado durante longos meses pela comunicação social “de referência”, que dele fez um justiceiro temerário, um defensor dos fracos e oprimidos que, segundo o sinistro Pedro Namora, “estava já no coração dos portugueses”, rapidamente passou a perseguidor implacável, violador dos mais elementares direitos fundamentais, pide sem quartel, Torquemada dos tempos modernos. E, creio mesmo, para o incauto juiz, o pior estará ainda para vir.
Decididamente, a comunicação social portuguesa não gosta de perdedores.
De bestial a besta passou num ápice o juiz Rui Teixeira, conhecidos os acórdãos do Tribunal Constitucional sobre o processo da Casa Pia.
Incensado durante longos meses pela comunicação social “de referência”, que dele fez um justiceiro temerário, um defensor dos fracos e oprimidos que, segundo o sinistro Pedro Namora, “estava já no coração dos portugueses”, rapidamente passou a perseguidor implacável, violador dos mais elementares direitos fundamentais, pide sem quartel, Torquemada dos tempos modernos. E, creio mesmo, para o incauto juiz, o pior estará ainda para vir.
Decididamente, a comunicação social portuguesa não gosta de perdedores.
«O SENHOR É BOOOM»
Impagável, a análise de CAA, no Mata-Mouros sobre a importância das modificações operadas na liturgia católica pelo Vaticano. Note-se, que essas alterações podem fazer com que a Igreja recupere a ideia de «ritual» que se perdera, há muito, das suas celebrações, transformadas em convivios informais onde, pelo meio, de diziam umas «antiguidades».
Um ritual «é a ordem prescrita das cerimónias de um culto», escreve Littré. Reproduz um psicodrama, representa uma ideia-força, eleva a assembleia acima do mundo profano e dirige-a para Deus. Não é uma festa, nem uma "teatrada", nem um encadeamento aleatório de palavras e de actos. Não pode divergir em função do local físico onde decorre. Porque, um ritual, é sempre praticado no interior de um templo, e este é, por definição, universal. Não tem morada certa, nem nacionalidade. "Adaptar" um ritual pode ser destruir o seu sentido e retirar a comunidade que assim o pratica da universalidade em que deve inserir-se.
Se me é permitido um exemplo, a última vez que fui a uma missa do galo, há dois anos, fui massacrado com uma cerimónia de durou duas horas e meia, devido às representações que nela foram introduzidas. Quando, a seguir à comunhão, os fiéis ajoelharam para orar, das profundezas do silêncio irrompeu uma estridente corneta e pelo meio do povo, atónito, desfilou um presépio humano, com um S. José com barbas de cartolina preta. Depois de susto e do sobressalto, seguiu-se uma sonora e alarve galhofa. O padre sorria satisfeito. E encerrou os trabalhos a cantar uma coisa qualquer. Ámen!
Impagável, a análise de CAA, no Mata-Mouros sobre a importância das modificações operadas na liturgia católica pelo Vaticano. Note-se, que essas alterações podem fazer com que a Igreja recupere a ideia de «ritual» que se perdera, há muito, das suas celebrações, transformadas em convivios informais onde, pelo meio, de diziam umas «antiguidades».
Um ritual «é a ordem prescrita das cerimónias de um culto», escreve Littré. Reproduz um psicodrama, representa uma ideia-força, eleva a assembleia acima do mundo profano e dirige-a para Deus. Não é uma festa, nem uma "teatrada", nem um encadeamento aleatório de palavras e de actos. Não pode divergir em função do local físico onde decorre. Porque, um ritual, é sempre praticado no interior de um templo, e este é, por definição, universal. Não tem morada certa, nem nacionalidade. "Adaptar" um ritual pode ser destruir o seu sentido e retirar a comunidade que assim o pratica da universalidade em que deve inserir-se.
Se me é permitido um exemplo, a última vez que fui a uma missa do galo, há dois anos, fui massacrado com uma cerimónia de durou duas horas e meia, devido às representações que nela foram introduzidas. Quando, a seguir à comunhão, os fiéis ajoelharam para orar, das profundezas do silêncio irrompeu uma estridente corneta e pelo meio do povo, atónito, desfilou um presépio humano, com um S. José com barbas de cartolina preta. Depois de susto e do sobressalto, seguiu-se uma sonora e alarve galhofa. O padre sorria satisfeito. E encerrou os trabalhos a cantar uma coisa qualquer. Ámen!
FUMAÇAS SAUDÁVEIS
As do João Carvalho Fernandes, que nos assustou a todos ao anunciar o fim do Fumaças. Afinal, foi rebate falso. Se há alguém imprescindível na blogosfera, é ele. Feliz escolha, a do Ivan Lins, para começar de novo.
As do João Carvalho Fernandes, que nos assustou a todos ao anunciar o fim do Fumaças. Afinal, foi rebate falso. Se há alguém imprescindível na blogosfera, é ele. Feliz escolha, a do Ivan Lins, para começar de novo.
sexta-feira, setembro 26, 2003
NOVO ESCÂNDALO
Na minha involuntária ausência, parece ter rebentado um novo escândalo público, que irá exigir o melhor da doutrina, da jurisprudência, da justiça portuguesa.
Depois dos casos Moderna, Vale e Azevedo, GNR, Fátima Felgueiras, Casa Pia e Isaltino Morais, vem aí o Helicóptero de Lamego.
Ao que percebi, trata-se de um inadmissível caso de corrupção ao mais alto e estratosférico nível, com desenvolvimentos imprevisíveis, que uma intrépida reportagem da SIC denunciou.
Pelo pouco que consegui seguir, os bombeiros de Lamego exploravam para efeitos turísticos um helicóptero destinado ao combate dos incêndios. Pormenor de importância nuclear em tudo isto é alguém não identificado na reportagem reclamar aos berros "tragam o camarão". Tratar-se-à de contrabando de marisco? Que interesses poderão ocultar-se por trás de tudo isto?
Aguardam-se as primeiras prisões preventivas.
Na minha involuntária ausência, parece ter rebentado um novo escândalo público, que irá exigir o melhor da doutrina, da jurisprudência, da justiça portuguesa.
Depois dos casos Moderna, Vale e Azevedo, GNR, Fátima Felgueiras, Casa Pia e Isaltino Morais, vem aí o Helicóptero de Lamego.
Ao que percebi, trata-se de um inadmissível caso de corrupção ao mais alto e estratosférico nível, com desenvolvimentos imprevisíveis, que uma intrépida reportagem da SIC denunciou.
Pelo pouco que consegui seguir, os bombeiros de Lamego exploravam para efeitos turísticos um helicóptero destinado ao combate dos incêndios. Pormenor de importância nuclear em tudo isto é alguém não identificado na reportagem reclamar aos berros "tragam o camarão". Tratar-se-à de contrabando de marisco? Que interesses poderão ocultar-se por trás de tudo isto?
Aguardam-se as primeiras prisões preventivas.
AFINAL, FUMAR FAZ BEM
Foi o que concluí desta passagem breve pelo Hospital de S. João, no Porto, onde se fuma por toda a parte: nos corredores, nas salas de espera, nas secretarias, julgo mesmo que nos blocos operatórios, embora não o tenha confirmado. Mas, que se fuma ao lado das enfermarias, em corredores com janelas abertas para elas, isso cheguei a verificar.
Anda o Governo a gastar dinheiro e tempo em publicidade contra o tabaco, inclusa nos próprios maços de cigarros, quando se verifica estar a cometer um erro: se nos hospitais públicos se fuma livremente, é porque a coisa não pode fazer mal a ninguém.
Foi o que concluí desta passagem breve pelo Hospital de S. João, no Porto, onde se fuma por toda a parte: nos corredores, nas salas de espera, nas secretarias, julgo mesmo que nos blocos operatórios, embora não o tenha confirmado. Mas, que se fuma ao lado das enfermarias, em corredores com janelas abertas para elas, isso cheguei a verificar.
Anda o Governo a gastar dinheiro e tempo em publicidade contra o tabaco, inclusa nos próprios maços de cigarros, quando se verifica estar a cometer um erro: se nos hospitais públicos se fuma livremente, é porque a coisa não pode fazer mal a ninguém.
EXTENUADO
Mais de vinte e quatro horas após a requisição civil de que fui vítima (ver "posta" imediatamente anterior), eis-me de regresso, depois de ter cumprido exemplarmente as minhas funções de progenitor responsável. A mãe e a criança estão bem, e agradecem a todos quantos enviaram mensagens de felicitações. Pior, estou eu. Nós, homens, não fomos feitos para estas coisas, nem estamos, ao contrário do género feminino, geneticamente vocacionados para elas. Só o nosso elevado altruísmo nos permite passar por elas de forma elegante e abnegada.
Mais de vinte e quatro horas após a requisição civil de que fui vítima (ver "posta" imediatamente anterior), eis-me de regresso, depois de ter cumprido exemplarmente as minhas funções de progenitor responsável. A mãe e a criança estão bem, e agradecem a todos quantos enviaram mensagens de felicitações. Pior, estou eu. Nós, homens, não fomos feitos para estas coisas, nem estamos, ao contrário do género feminino, geneticamente vocacionados para elas. Só o nosso elevado altruísmo nos permite passar por elas de forma elegante e abnegada.
quinta-feira, setembro 25, 2003
CAPRICHOS FEMININOS
Em plena preparação, durante um intervalo laboral, de mais uma "posta" sobre a reforma do sistema eleitoral, telefona-me a minha mulher para a levar ao Hospital. Parece que vai, finalmente, ter a nossa filha, que está já para nascer há três semanas. Esta inconveniência, certamente fruto de caprichos femininos, vai impedir-me de concluir hoje, como queria, essa matéria. Os leitores que me perdõem.
Enfim, mulheres.
Em plena preparação, durante um intervalo laboral, de mais uma "posta" sobre a reforma do sistema eleitoral, telefona-me a minha mulher para a levar ao Hospital. Parece que vai, finalmente, ter a nossa filha, que está já para nascer há três semanas. Esta inconveniência, certamente fruto de caprichos femininos, vai impedir-me de concluir hoje, como queria, essa matéria. Os leitores que me perdõem.
Enfim, mulheres.
«VÁ À MERDA, MINHA SENHORA!»
O Tribunal Constitucional deu provimento aos recursos da defesa de alguns dos arguidos do processo Casa Pia, obrigando assim o Tribunal da Relação de Lisboa a reapreciar os recursos que aqueles tinham interposto nesse tribunal.
Assim se compreende o "mimo" com que o Juiz Presidente dessa alta instância judicial presenteou ontem, em directo para a SIC, a jornalista Sofia Pinto Coelho (por acaso, casada com Ricardo Sá Fernandes), que insistia em fazer-lhe umas perguntinhas...
O Tribunal Constitucional deu provimento aos recursos da defesa de alguns dos arguidos do processo Casa Pia, obrigando assim o Tribunal da Relação de Lisboa a reapreciar os recursos que aqueles tinham interposto nesse tribunal.
Assim se compreende o "mimo" com que o Juiz Presidente dessa alta instância judicial presenteou ontem, em directo para a SIC, a jornalista Sofia Pinto Coelho (por acaso, casada com Ricardo Sá Fernandes), que insistia em fazer-lhe umas perguntinhas...
FUNIL E CORNETA
Um certo Pedro Sá e um tal Mário Garcia encheram-me hoje a caixa de correio com onze (sim, onze) mensagens a anunciar o seu blog. Agradecia que me poupassem a atitudes desequilibradas. Já abandonei o Conde Ferreira há alguns anos (onze, mais precisamente), procuro esquecer o passado e evito o contacto com antigos colegas. Obrigado.
Um certo Pedro Sá e um tal Mário Garcia encheram-me hoje a caixa de correio com onze (sim, onze) mensagens a anunciar o seu blog. Agradecia que me poupassem a atitudes desequilibradas. Já abandonei o Conde Ferreira há alguns anos (onze, mais precisamente), procuro esquecer o passado e evito o contacto com antigos colegas. Obrigado.
CD'S
Muito bom: o «Beautiful Sky», dos Reamon. Comecem pela terceira faixa («Star»), regressem ao começo e deixem ir até ao fim. Já não é fácil encontrar músicas e cd's assim.
Escândalo: a incompreensível política nacional de edições que permite, que o primeiro trabalho em nome próprio de Paddy MacAloon não tenha sido ainda publicado entre nós, quando já foi lançado em Maio. O homem que queria fazer a canção-mais-que-perfeita (e quantas não fez) e que durante anos se escondeu por trás dos Prefab Sprout, já teve outro tratamento.
Muito bom: o «Beautiful Sky», dos Reamon. Comecem pela terceira faixa («Star»), regressem ao começo e deixem ir até ao fim. Já não é fácil encontrar músicas e cd's assim.
Escândalo: a incompreensível política nacional de edições que permite, que o primeiro trabalho em nome próprio de Paddy MacAloon não tenha sido ainda publicado entre nós, quando já foi lançado em Maio. O homem que queria fazer a canção-mais-que-perfeita (e quantas não fez) e que durante anos se escondeu por trás dos Prefab Sprout, já teve outro tratamento.
quarta-feira, setembro 24, 2003
FEELINGS
Através de uma nota oficial, o Ministério da Agricultura manifestou ternos sentimentos pela Casa do Douro e abominou o comportamento da Repartição de Finanças local, que executou uma dívida dessa mais do que duvidosa instituição.
Embora lhe caia bem, apreciaríamos atitude idêntica sempre que isso sucede com as centenas de empresas e contribuintes singulares. Uma espécie de velório nacional permanente.
Através de uma nota oficial, o Ministério da Agricultura manifestou ternos sentimentos pela Casa do Douro e abominou o comportamento da Repartição de Finanças local, que executou uma dívida dessa mais do que duvidosa instituição.
Embora lhe caia bem, apreciaríamos atitude idêntica sempre que isso sucede com as centenas de empresas e contribuintes singulares. Uma espécie de velório nacional permanente.
«É INJUSTO QUE "SEIJAMOS" NÓS...
... a pagar os custos do ensino superior», declarou um insígne dirigente associativo da Faculdade de Ciências e Tecnologia, depois de ajudar a barricar o Conselho Directivo com 400 euros de rolos de papel higiénico.
Continuo sem entender porque é que o Estado presume que todos os alarves podem ser educados. Com o dinheiro dos meus impostos.
... a pagar os custos do ensino superior», declarou um insígne dirigente associativo da Faculdade de Ciências e Tecnologia, depois de ajudar a barricar o Conselho Directivo com 400 euros de rolos de papel higiénico.
Continuo sem entender porque é que o Estado presume que todos os alarves podem ser educados. Com o dinheiro dos meus impostos.
IRRACIONAL
Num País em que a indústria têxtil tem alguma expressão e na região onde ela é mais forte, a Universidade local, a Universidade do Minho, registou zero condidaturas à sua licenciatura em Engenharia do Vestuário, no ano lectivo que se vai iniciar. Decididamente, Portugal não é um País racional.
Num País em que a indústria têxtil tem alguma expressão e na região onde ela é mais forte, a Universidade local, a Universidade do Minho, registou zero condidaturas à sua licenciatura em Engenharia do Vestuário, no ano lectivo que se vai iniciar. Decididamente, Portugal não é um País racional.
PSICANÁLISE POLÍTICA
O líder da Nova Democracia concedeu uma extensa entrevista à revista Focus, publicada hoje com o título «Portas torpedeou-me».
Ao longo de três páginas compactas e vinte e quatro respostas a outras tantas perguntas, o Dr. Manuel Monteiro esgota-se no passado. Ou melhor, no seu próprio passado, onde revisita o célebre episódio da caneta ("Já sei: vai falar-me na história da caneta"), as "traições" que lhe foram feitas por Portas ("não conhecia o Dr. Portas"), as quebras de amizade ("ele nunca foi meu amigo. Nunca!"), a conferência de imprensa de Portas no "dia da caneta" ("atrás dele só estavam sete pessoas"), e por aí em diante. Confuso, confunde o Congresso de Braga, que elegeu Portas, com o de Coimbra, onde teve um célebre ataque de ciúmes que o fez saltar do palco para ir tomar um café, e, sem a menor noção das suas palavras diz que "não pode passar a ideia de que eu só fiz um partido porque me zanguei com o Dr. Paulo Portas". Vê-se.
Quanto ao País, nada. Sobre o famoso liberalismo que diz defender, nada! Sobre as dificuldades da classe média, nada. Sobre a actuação do Governo, nada. Nem sobre a Europa, à qual aspira, diz coisa alguma. Em suma, sobre Portugal, a política, as ideias e o futuro, nada diz. Só lhe interessa falar do Dr. Portas e de um passado que visivelmente o traumatizou.
O Dr. Monteiro não devia "fazer" um partido político. O Dr. Manuel Monteiro devia era fazer psicanálise.
O líder da Nova Democracia concedeu uma extensa entrevista à revista Focus, publicada hoje com o título «Portas torpedeou-me».
Ao longo de três páginas compactas e vinte e quatro respostas a outras tantas perguntas, o Dr. Manuel Monteiro esgota-se no passado. Ou melhor, no seu próprio passado, onde revisita o célebre episódio da caneta ("Já sei: vai falar-me na história da caneta"), as "traições" que lhe foram feitas por Portas ("não conhecia o Dr. Portas"), as quebras de amizade ("ele nunca foi meu amigo. Nunca!"), a conferência de imprensa de Portas no "dia da caneta" ("atrás dele só estavam sete pessoas"), e por aí em diante. Confuso, confunde o Congresso de Braga, que elegeu Portas, com o de Coimbra, onde teve um célebre ataque de ciúmes que o fez saltar do palco para ir tomar um café, e, sem a menor noção das suas palavras diz que "não pode passar a ideia de que eu só fiz um partido porque me zanguei com o Dr. Paulo Portas". Vê-se.
Quanto ao País, nada. Sobre o famoso liberalismo que diz defender, nada! Sobre as dificuldades da classe média, nada. Sobre a actuação do Governo, nada. Nem sobre a Europa, à qual aspira, diz coisa alguma. Em suma, sobre Portugal, a política, as ideias e o futuro, nada diz. Só lhe interessa falar do Dr. Portas e de um passado que visivelmente o traumatizou.
O Dr. Monteiro não devia "fazer" um partido político. O Dr. Manuel Monteiro devia era fazer psicanálise.
segunda-feira, setembro 22, 2003
ELEVADOS NÍVEIS DE IMBECILIDADE
Preocupado com os elevados níveis de poluição urbana, o Ministro do Ambiente, Amilcar Theías, explicou ao País porque é que o Governo aderiu ao Dia Mundial Sem Automóvel.
Com esta medida que se pretendia simbólica, o Governo conseguiu infernizar, de facto, a vida a milhares de cidadãos que, duvidando da eficácia dos sistemas públicos de transporte, insistiram em fazer-se transportar em automóveis particulares.
A oportunidade desta iniciativa, realizada numa segunda-feira de trabalho, permitiu, seguramente, baixar a níveis razoáveis a poluição atmosférica citadina. E fez elevar a um patamar nunca visto os níveis nacionais de imbecilidade.
Preocupado com os elevados níveis de poluição urbana, o Ministro do Ambiente, Amilcar Theías, explicou ao País porque é que o Governo aderiu ao Dia Mundial Sem Automóvel.
Com esta medida que se pretendia simbólica, o Governo conseguiu infernizar, de facto, a vida a milhares de cidadãos que, duvidando da eficácia dos sistemas públicos de transporte, insistiram em fazer-se transportar em automóveis particulares.
A oportunidade desta iniciativa, realizada numa segunda-feira de trabalho, permitiu, seguramente, baixar a níveis razoáveis a poluição atmosférica citadina. E fez elevar a um patamar nunca visto os níveis nacionais de imbecilidade.
domingo, setembro 21, 2003
COMO MUDAR O SISTEMA ELEITORAL?
O Blogue-sem-Nome colocou o dedo na ferida e pergunta de que forma se poderia modificar o sistema eleitoral vigente?
Eu começaria por dizer que se trata de matéria prevista na Constituição da República, nomeadamente, nos arts 149º e ss., sobre a eleição dos deputados da Assembleia da República e no art. 288º, sobre os limites materiais das revisões constitucionias:
Artigo 149.º
(Círculos eleitorais)
1. Os Deputados são eleitos por círculos eleitorais geograficamente definidos na lei, a qual pode determinar a existência de círculos plurinominais e uninominais, bem como a respectiva natureza e complementaridade, por forma a assegurar o sistema de representação proporcional e o método da média mais alta de Hondt na conversão dos votos em número de mandatos.
2. O número de Deputados por cada círculo plurinominal do território nacional, exceptuando o círculo nacional, quando exista, é proporcional ao número de cidadãos eleitores nele inscritos.
Artigo 151.º
(Candidaturas)
1. As candidaturas são apresentadas, nos termos da lei, pelos partidos políticos, isoladamente ou em coligação, podendo as listas integrar cidadãos não inscritos nos respectivos partidos.
2. Ninguém pode ser candidato por mais de um círculo eleitoral da mesma natureza, exceptuando o círculo nacional quando exista, ou figurar em mais de uma lista.
Artigo 288.º
(Limites materiais da revisão)
As leis de revisão constitucional terão de respeitar:
h) O sufrágio universal, directo, secreto e periódico na designação dos titulares electivos dos órgãos de soberania, das regiões autónomas e do poder local, bem como o sistema de representação proporcional;
Isto significa que a Constituição da República – lei hierarquicamente superior na nossa ordem jurídica – disciplina esta matéria e impõe limites às suas eventuais futuras alterações (limites materiais). O texto transcrito e que se encontra em vigor, foi adoptado na V Revisão já que, até então, os círculos uninominais não eram admissíveis, sendo-o agora, deixando o legislador constitucional essa opção ao legislador ordinário, isto é, á própria Assembleia da República.
Assim, no que diz respeito à divisão do território para fins eleitorais tudo, ou quase, é agora permitido: círculos plurinominais, uninominais, a simultaneidade de ambos, um círculo nacional e círculos uninominais, etc.
Porém, a constituição mantém o método de Hondt como forma de escrutínio, mesmo no apuramento dos votos de eventuais círculos uninominais a criar. Este método é, aparentemente, inalterável, porque o art. 288º impede a sua alteração mesmo em sede de revisão constitucional.
Por outro lado, o art. 151º, nº 1 impõe que a apresentação das candidaturas seja obrigatoriamente em listas apresentadas pelos partidos políticos, admitindo as candidaturas nessas listas de cidadãos «não inscritos nos respectivos partidos».
Esta falácia de candidaturas de cidadãos independentes, na prática, é um artifício que permite a continuação da escolha das listas (plurinominais ou individuais) pelas máquinas partidárias, mantendo, assim, o controlo do sistema pelos partidos instituídos.
Isto mesmo foi dito por Luís Nunes de Almeida, em 1998, num seminário internacional sobre «Direitos dos Eleitorais». Vale a pena ler o que escreveu então o actual Presidente do Tribunal Constitucional, pelas mãos de quem esta reforma teria de passar:
«Perguntar-se-á: mas, então, o que resta para uma eventual reforma do sistema eleitoral? A minha resposta é: muito pouco. (...)
(...) A utilização de círculos uninominais não pode, pois, passar de uma técnica – necessariamente subordinada à representação proporcional e ao método de Hondt, aplicado em círculos plurinominais – para se proceder à escolha dos candidatos concretos de cada partido que devem ser eleitos (...)
(...) Mas a reforma não poderia, também, Ter como objectivo alterar a actual correlação de forças entre os partidos políticos, a nível da respectiva representação parlamentar (...)
(...) Encontrando-se constitucionalmente vedada a opção pelo sistema maioritário, também o estaria a opção por um sistema verdadeiramente misto, com existência paralela de eleição maioritária e de eleição proporcional (...)». (Luis Nunes de Almeida, Os Limites da Reforma Constitucional, in Direito dos Eleitores – Seminário Internacional, UM, 1998, pp. 21 e ss.).
Estas opiniões do actual Presidente do Tribunal Constitucional mostram bem os entraves colocados a uma real alteração do sistema eleitoral português, da qual resultasse uma aproximação dos cidadãos à decisão política. Visa, obviamente, manter o sistema do actual arco parlamentar, bem como o domínio absoluto das máquinas partidárias na determinação dos eleitos. Consagra o método de Hondt como paradigma absoluto do nosso sistema político. Ele é intocável, é um verdadeiro bezerro de ouro, uma vaca sagrada. Porquê?
Assim, eu concluiria dizendo o seguinte:
1. É impensável que os partidos do sistema promovam uma alteração séria das regras relativas à eleição dos mandatos parlamentares;
2. Como, também, não é crível que cedam na admissão de candidaturas à margem dos partidos políticos. Nem sequer, como diz a Constituição, se vierem a ser criados os círculos uninominais. Estes, a serem criados com os limites estatuídos na Constituição, como bem diz Luís Nunes de Almeida, não passariam de uma mera alteração técnica para manter tudo igual;
3. Só uma ampla consciencialização do eleitorado poderá permitir a criação de movimentos de opinião que forcem os partidos a alterar este estado das coisas;
4. Que poderia e deveria, inclusivamente, ser objecto de um referendo nacional. Era, a meu ver, exactamente por aqui que se deveria principiar e o que se deveria exigir.
O Blogue-sem-Nome colocou o dedo na ferida e pergunta de que forma se poderia modificar o sistema eleitoral vigente?
Eu começaria por dizer que se trata de matéria prevista na Constituição da República, nomeadamente, nos arts 149º e ss., sobre a eleição dos deputados da Assembleia da República e no art. 288º, sobre os limites materiais das revisões constitucionias:
Artigo 149.º
(Círculos eleitorais)
1. Os Deputados são eleitos por círculos eleitorais geograficamente definidos na lei, a qual pode determinar a existência de círculos plurinominais e uninominais, bem como a respectiva natureza e complementaridade, por forma a assegurar o sistema de representação proporcional e o método da média mais alta de Hondt na conversão dos votos em número de mandatos.
2. O número de Deputados por cada círculo plurinominal do território nacional, exceptuando o círculo nacional, quando exista, é proporcional ao número de cidadãos eleitores nele inscritos.
Artigo 151.º
(Candidaturas)
1. As candidaturas são apresentadas, nos termos da lei, pelos partidos políticos, isoladamente ou em coligação, podendo as listas integrar cidadãos não inscritos nos respectivos partidos.
2. Ninguém pode ser candidato por mais de um círculo eleitoral da mesma natureza, exceptuando o círculo nacional quando exista, ou figurar em mais de uma lista.
Artigo 288.º
(Limites materiais da revisão)
As leis de revisão constitucional terão de respeitar:
h) O sufrágio universal, directo, secreto e periódico na designação dos titulares electivos dos órgãos de soberania, das regiões autónomas e do poder local, bem como o sistema de representação proporcional;
Isto significa que a Constituição da República – lei hierarquicamente superior na nossa ordem jurídica – disciplina esta matéria e impõe limites às suas eventuais futuras alterações (limites materiais). O texto transcrito e que se encontra em vigor, foi adoptado na V Revisão já que, até então, os círculos uninominais não eram admissíveis, sendo-o agora, deixando o legislador constitucional essa opção ao legislador ordinário, isto é, á própria Assembleia da República.
Assim, no que diz respeito à divisão do território para fins eleitorais tudo, ou quase, é agora permitido: círculos plurinominais, uninominais, a simultaneidade de ambos, um círculo nacional e círculos uninominais, etc.
Porém, a constituição mantém o método de Hondt como forma de escrutínio, mesmo no apuramento dos votos de eventuais círculos uninominais a criar. Este método é, aparentemente, inalterável, porque o art. 288º impede a sua alteração mesmo em sede de revisão constitucional.
Por outro lado, o art. 151º, nº 1 impõe que a apresentação das candidaturas seja obrigatoriamente em listas apresentadas pelos partidos políticos, admitindo as candidaturas nessas listas de cidadãos «não inscritos nos respectivos partidos».
Esta falácia de candidaturas de cidadãos independentes, na prática, é um artifício que permite a continuação da escolha das listas (plurinominais ou individuais) pelas máquinas partidárias, mantendo, assim, o controlo do sistema pelos partidos instituídos.
Isto mesmo foi dito por Luís Nunes de Almeida, em 1998, num seminário internacional sobre «Direitos dos Eleitorais». Vale a pena ler o que escreveu então o actual Presidente do Tribunal Constitucional, pelas mãos de quem esta reforma teria de passar:
«Perguntar-se-á: mas, então, o que resta para uma eventual reforma do sistema eleitoral? A minha resposta é: muito pouco. (...)
(...) A utilização de círculos uninominais não pode, pois, passar de uma técnica – necessariamente subordinada à representação proporcional e ao método de Hondt, aplicado em círculos plurinominais – para se proceder à escolha dos candidatos concretos de cada partido que devem ser eleitos (...)
(...) Mas a reforma não poderia, também, Ter como objectivo alterar a actual correlação de forças entre os partidos políticos, a nível da respectiva representação parlamentar (...)
(...) Encontrando-se constitucionalmente vedada a opção pelo sistema maioritário, também o estaria a opção por um sistema verdadeiramente misto, com existência paralela de eleição maioritária e de eleição proporcional (...)». (Luis Nunes de Almeida, Os Limites da Reforma Constitucional, in Direito dos Eleitores – Seminário Internacional, UM, 1998, pp. 21 e ss.).
Estas opiniões do actual Presidente do Tribunal Constitucional mostram bem os entraves colocados a uma real alteração do sistema eleitoral português, da qual resultasse uma aproximação dos cidadãos à decisão política. Visa, obviamente, manter o sistema do actual arco parlamentar, bem como o domínio absoluto das máquinas partidárias na determinação dos eleitos. Consagra o método de Hondt como paradigma absoluto do nosso sistema político. Ele é intocável, é um verdadeiro bezerro de ouro, uma vaca sagrada. Porquê?
Assim, eu concluiria dizendo o seguinte:
1. É impensável que os partidos do sistema promovam uma alteração séria das regras relativas à eleição dos mandatos parlamentares;
2. Como, também, não é crível que cedam na admissão de candidaturas à margem dos partidos políticos. Nem sequer, como diz a Constituição, se vierem a ser criados os círculos uninominais. Estes, a serem criados com os limites estatuídos na Constituição, como bem diz Luís Nunes de Almeida, não passariam de uma mera alteração técnica para manter tudo igual;
3. Só uma ampla consciencialização do eleitorado poderá permitir a criação de movimentos de opinião que forcem os partidos a alterar este estado das coisas;
4. Que poderia e deveria, inclusivamente, ser objecto de um referendo nacional. Era, a meu ver, exactamente por aqui que se deveria principiar e o que se deveria exigir.
sábado, setembro 20, 2003
JANTAR POLÍTICO
Ontem fui, pela primeira vez, visitar e jantar ao renovado cais de Gaia. O Dr. Rui Rio devia lá ir aprender como se faz política.
Ontem fui, pela primeira vez, visitar e jantar ao renovado cais de Gaia. O Dr. Rui Rio devia lá ir aprender como se faz política.
sexta-feira, setembro 19, 2003
DIÁLOGOS IMAGINÁRIOS I
-Sabe, eu tenho grandes reservas ao liberalismo. Ao liberalismo puro, está a ver?
- Puro? Ao liberalismo? Ao liberalismo ou à liberdade?
- À liberdade, nunca! Você é doido?! Antes do 25 de Abril era do contra. A PIDE vigiava todos os meus movimentos. Até quando estava a dormir...
- Mas são a mesma coisa, o liberalismo e a liberdade.
- Não, não! Está enganado. Do que eu tenho medo é do mercado. Está a ver, o mercado não pensa, é irracional, age sem critério.
- Mas o mercado são as pessoas a agirem entre si, a defenderem os seus interesses, a comporem as suas relações. As pessoas pensam, não pensam?...
- Está bem, está bem! Mas as pessoas não são capazes de se entender. Estão sempre à bulha uns com os outros. E não defendem os mais pobres.
- Ai sim? E então o que propõe?
- Que o Estado e o Governo componham esses interesses, que acudam aos mais pobres, que distribuam a riqueza por todos.
- E quem é que está no Governo? Não são também pessoas?
- São, são...
- E você acha que elas são mais capazes de decidir pelos outros em assuntos que lhes não dizem respeito? Pensa que são imunes a influências e a paixões, a desvios e prepotências? Nunca ouviu dizer que o poder corrompe? E, diga-me lá, acredita mesmo que o dinheiro dos seus impostos vais mesmo para os mais pobres?
- Está a ver, está a ver! É por isso que eu não gosto do liberais: são uns teóricos; não vivem neste mundo! Bom, tenho de passar ali pela Junta de Freguesia para assinar uma folha de presenças. Amanhã continuamos a conversa.
-Sabe, eu tenho grandes reservas ao liberalismo. Ao liberalismo puro, está a ver?
- Puro? Ao liberalismo? Ao liberalismo ou à liberdade?
- À liberdade, nunca! Você é doido?! Antes do 25 de Abril era do contra. A PIDE vigiava todos os meus movimentos. Até quando estava a dormir...
- Mas são a mesma coisa, o liberalismo e a liberdade.
- Não, não! Está enganado. Do que eu tenho medo é do mercado. Está a ver, o mercado não pensa, é irracional, age sem critério.
- Mas o mercado são as pessoas a agirem entre si, a defenderem os seus interesses, a comporem as suas relações. As pessoas pensam, não pensam?...
- Está bem, está bem! Mas as pessoas não são capazes de se entender. Estão sempre à bulha uns com os outros. E não defendem os mais pobres.
- Ai sim? E então o que propõe?
- Que o Estado e o Governo componham esses interesses, que acudam aos mais pobres, que distribuam a riqueza por todos.
- E quem é que está no Governo? Não são também pessoas?
- São, são...
- E você acha que elas são mais capazes de decidir pelos outros em assuntos que lhes não dizem respeito? Pensa que são imunes a influências e a paixões, a desvios e prepotências? Nunca ouviu dizer que o poder corrompe? E, diga-me lá, acredita mesmo que o dinheiro dos seus impostos vais mesmo para os mais pobres?
- Está a ver, está a ver! É por isso que eu não gosto do liberais: são uns teóricos; não vivem neste mundo! Bom, tenho de passar ali pela Junta de Freguesia para assinar uma folha de presenças. Amanhã continuamos a conversa.
CUMPRA-SE! A BEM DA NAÇÃO
À sensata proposta de José Miguel Júdice de criar uma comissão externa que fiscalize e tutele as escutas telefónicas, logo se levantaram os arautos da ortodoxia, exclamando indignações e vitupérios. Os argumentos são os de sempre, mas um há que sobressaí: as escutas são feitas com base na lei e os diligentes funcionários que as efectuam mais não fazem do que a cumprir escrupulosamente. Portanto, todo o controle externo é uma ofensa, uma provocação.
Obviamente, como Júdice retorquiu, nada disso está aqui em causa, nem esse é o espirito de um sistema democrático.
Por outro lado, nós recordaríamos aos legalistas de serviço que o III Reich, o Fascismo, o Aparteid, a União Soviética, também tinham leis. Por exemplo, as leis raciais e de protecção do sangue alemãs e italianas, de 1935 e 1938 respectivamente, ou a Constitução portuguesa de 1933 que proibia os partidos políticos, ou a lei de 1935 que interditava a Maçonaria. Também, nessa altura, existiam zelosos funcionários que executavam a lei e as ordens que à sua sombra eram ditadas. A bem da Nação. E, no «Castelo» de Kafka, ninguém se podia queixar de ausência de regulamentação.
A lei, porque é lei, é sempre virtuosa e suficiente do ponto de vista de quem a aplica. Raras vezes é posta em causa ou questionada a sua legitimidade. Há mesmo quem diga que «para os inimigos, basta a lei».
À sensata proposta de José Miguel Júdice de criar uma comissão externa que fiscalize e tutele as escutas telefónicas, logo se levantaram os arautos da ortodoxia, exclamando indignações e vitupérios. Os argumentos são os de sempre, mas um há que sobressaí: as escutas são feitas com base na lei e os diligentes funcionários que as efectuam mais não fazem do que a cumprir escrupulosamente. Portanto, todo o controle externo é uma ofensa, uma provocação.
Obviamente, como Júdice retorquiu, nada disso está aqui em causa, nem esse é o espirito de um sistema democrático.
Por outro lado, nós recordaríamos aos legalistas de serviço que o III Reich, o Fascismo, o Aparteid, a União Soviética, também tinham leis. Por exemplo, as leis raciais e de protecção do sangue alemãs e italianas, de 1935 e 1938 respectivamente, ou a Constitução portuguesa de 1933 que proibia os partidos políticos, ou a lei de 1935 que interditava a Maçonaria. Também, nessa altura, existiam zelosos funcionários que executavam a lei e as ordens que à sua sombra eram ditadas. A bem da Nação. E, no «Castelo» de Kafka, ninguém se podia queixar de ausência de regulamentação.
A lei, porque é lei, é sempre virtuosa e suficiente do ponto de vista de quem a aplica. Raras vezes é posta em causa ou questionada a sua legitimidade. Há mesmo quem diga que «para os inimigos, basta a lei».
quinta-feira, setembro 18, 2003
IMPERDÍVEL
O artigo de Eurico Reis, Juiz-Desembargador da Relação de Lisboa, na Visão, sobre o estado da Justiça em Portugal. O título do artigo - "So... do you feel lucky, punk?" - invoca uma expressão paradigmática do velho "Dirty Eastwood Harry" e antecipa o conteúdo do texto. São estas coisas que nos fazem manter uma réstea de esperança.
O artigo de Eurico Reis, Juiz-Desembargador da Relação de Lisboa, na Visão, sobre o estado da Justiça em Portugal. O título do artigo - "So... do you feel lucky, punk?" - invoca uma expressão paradigmática do velho "Dirty Eastwood Harry" e antecipa o conteúdo do texto. São estas coisas que nos fazem manter uma réstea de esperança.
quarta-feira, setembro 17, 2003
AS ORIGENS CONTRATUALISTAS DO ESTADO
O Cidadão Livre comentou uma "posta" que aqui editamos, onde se abordava a natureza do Estado e se faziam algumas referências às teses contratualistas sobre a sua origem.
No essencial, concordo com o que escreveu, embora não possa aceitar que as citadas teses tenham sido uma bem engendrada operação de marketing para justificar a existência prepotente do Estado.
Desde logo, porque os contratualistas divergem claramente quanto às funções que o Estado deve desempenhar: se atendermos ao contatualismo de Hobbes, encontramos a fundamentação do absolutismo e do centralismo; se olharmos para o que Locke escreveu, encontraremos o oposto do primeiro; se caírmos na desgraça de ler Rousseau, entraremos no mais tenebroso despotismo jacobino.
Obviamente que, nos nossos dias, dizer que os Estados democráticos são o resultado de um contrato social livremente firmado pelos cidadãos, é uma ironia de mau gosto. Os ditos Estados democráticos instituiram um moderno absolutismo, através da perversão da lei, do seu sentido e dos seus limites. Temo-nos, aqui, cansado de o escrever, quase sem eco na nossa blogosfera. A lei actual é absoluta, porque quase não conhece limites. O que a distingue das leis régias oitocentistas é, quase somente, a sua legitimação: as primeiras provinham de um monarca sem legitimidade democrática, enquanto as segundas decorrem de assembleias eleitas em sufrágio universal directo.
Porém, se nos situarmos no fim do século XVII e nos séculos XVIII e XIX, veremos que foi graças ao contratualismo que se conseguiram impor limites constitucionais ao poder político e criar o Estado de Direito. As normas constitucionais que refere dos sistemas anglo-saxónicos e que têm por base o princípio de que the King can do no wrong, decorreram dessa, então, perspectiva das origens do Estado. Foi por ele resultar de um contrato social, que deveria colocar em primeira instância a defesa dos interesses dos seus instituidores. Que isto esteja, actualmente, deturpado na generalidade dos países ocidentais, não restam dúvidas. Mas, também, não vislumbro outro ponto de partida para recuperar a liberdade perdida.
O Cidadão Livre comentou uma "posta" que aqui editamos, onde se abordava a natureza do Estado e se faziam algumas referências às teses contratualistas sobre a sua origem.
No essencial, concordo com o que escreveu, embora não possa aceitar que as citadas teses tenham sido uma bem engendrada operação de marketing para justificar a existência prepotente do Estado.
Desde logo, porque os contratualistas divergem claramente quanto às funções que o Estado deve desempenhar: se atendermos ao contatualismo de Hobbes, encontramos a fundamentação do absolutismo e do centralismo; se olharmos para o que Locke escreveu, encontraremos o oposto do primeiro; se caírmos na desgraça de ler Rousseau, entraremos no mais tenebroso despotismo jacobino.
Obviamente que, nos nossos dias, dizer que os Estados democráticos são o resultado de um contrato social livremente firmado pelos cidadãos, é uma ironia de mau gosto. Os ditos Estados democráticos instituiram um moderno absolutismo, através da perversão da lei, do seu sentido e dos seus limites. Temo-nos, aqui, cansado de o escrever, quase sem eco na nossa blogosfera. A lei actual é absoluta, porque quase não conhece limites. O que a distingue das leis régias oitocentistas é, quase somente, a sua legitimação: as primeiras provinham de um monarca sem legitimidade democrática, enquanto as segundas decorrem de assembleias eleitas em sufrágio universal directo.
Porém, se nos situarmos no fim do século XVII e nos séculos XVIII e XIX, veremos que foi graças ao contratualismo que se conseguiram impor limites constitucionais ao poder político e criar o Estado de Direito. As normas constitucionais que refere dos sistemas anglo-saxónicos e que têm por base o princípio de que the King can do no wrong, decorreram dessa, então, perspectiva das origens do Estado. Foi por ele resultar de um contrato social, que deveria colocar em primeira instância a defesa dos interesses dos seus instituidores. Que isto esteja, actualmente, deturpado na generalidade dos países ocidentais, não restam dúvidas. Mas, também, não vislumbro outro ponto de partida para recuperar a liberdade perdida.
DESCUBRA O GRANDE REFORMADOR E HABILITE-SE A PRÉMIOS DE SONHO
Algures neste verdejante green encontra-se o Grande Reformador da Administração Pública Portuguesa, Prof. Doutor João de Deus Pinheiro, em profunda meditação sobre os próximos passos a dar nos seus ciclópicos trabalhos. Cataláxia iniciou hoje um concurso que atribuirá prémios de sonho aos primeiros 500 leitores que o consigam descobrir. Ora vejam:
1º lugar: um lugar de secretária (o ?) executiva (o ?) na equipa de S. Exª (contrato de trabalho a termo certo pelo prazo de dezoito meses), com ordenado igual ao de vogal executivo de um conselho de administração de uma empresa pública (a extinguir);
2º lugar: a colecção completa dos romances de S. Exª (literários, naturalmente), autografados pelo próprio;
3º lugar: um almoço com S. Exª no prestigiado Hermitage da Quinta do Lago, pferecido pelo Governo português;
4º a 500º lugar: fotografia institucional de S. Exª, tirada ao tempo em que era Comissário Europeu.
As respostas deverão ser remetidas para catalaxia_net@hotmail.com, durante os próximos dezoito meses.
Concurso autorizado pelo Governo Civil das Berlengas.
Algures neste verdejante green encontra-se o Grande Reformador da Administração Pública Portuguesa, Prof. Doutor João de Deus Pinheiro, em profunda meditação sobre os próximos passos a dar nos seus ciclópicos trabalhos. Cataláxia iniciou hoje um concurso que atribuirá prémios de sonho aos primeiros 500 leitores que o consigam descobrir. Ora vejam:
1º lugar: um lugar de secretária (o ?) executiva (o ?) na equipa de S. Exª (contrato de trabalho a termo certo pelo prazo de dezoito meses), com ordenado igual ao de vogal executivo de um conselho de administração de uma empresa pública (a extinguir);
2º lugar: a colecção completa dos romances de S. Exª (literários, naturalmente), autografados pelo próprio;
3º lugar: um almoço com S. Exª no prestigiado Hermitage da Quinta do Lago, pferecido pelo Governo português;
4º a 500º lugar: fotografia institucional de S. Exª, tirada ao tempo em que era Comissário Europeu.
As respostas deverão ser remetidas para catalaxia_net@hotmail.com, durante os próximos dezoito meses.
Concurso autorizado pelo Governo Civil das Berlengas.
TUDO ESTÁ BEM
O taciturno Secretário de Estado do Orçamento comunicou ao País uma derrapagem incalculável do défice, provocada pela tradicional quebra de receitas tributárias e pelo descontrolo das despesas, a saber um pornográfico endividamento das autarquias locais. Já não bastavam as despesas extraordinárias originadas pela vaga de incêndios, era preciso ainda mais isto.
Mas não existem razões para alarme. Soube-se hoje também que o FMI recomendou ao Banco Central Europeu que esqueça o Pacto de Estabilidade e não se apoquente com eventuais ultrapassagens da famigerada barreira dos 3%, que tira o sono à Dra. Manuela Ferreira Leite e ensandeceu os seus antecessores, os seráficos Guilherme Oliveira Martins e Pina Moura. Desde que os Estados-membros despesistas gastem o dinheiro com "reformas estruturais". Como a da nossa Administração Pública, que tanto tem feito reflectir o Prof. Pinheiro, nos viçosos greens algarvios. Portanto, a partir de agora, é gastar vilanagem, que alguém há-de pagar!
Afinal, tudo está bem quando acaba bem.
O taciturno Secretário de Estado do Orçamento comunicou ao País uma derrapagem incalculável do défice, provocada pela tradicional quebra de receitas tributárias e pelo descontrolo das despesas, a saber um pornográfico endividamento das autarquias locais. Já não bastavam as despesas extraordinárias originadas pela vaga de incêndios, era preciso ainda mais isto.
Mas não existem razões para alarme. Soube-se hoje também que o FMI recomendou ao Banco Central Europeu que esqueça o Pacto de Estabilidade e não se apoquente com eventuais ultrapassagens da famigerada barreira dos 3%, que tira o sono à Dra. Manuela Ferreira Leite e ensandeceu os seus antecessores, os seráficos Guilherme Oliveira Martins e Pina Moura. Desde que os Estados-membros despesistas gastem o dinheiro com "reformas estruturais". Como a da nossa Administração Pública, que tanto tem feito reflectir o Prof. Pinheiro, nos viçosos greens algarvios. Portanto, a partir de agora, é gastar vilanagem, que alguém há-de pagar!
Afinal, tudo está bem quando acaba bem.
terça-feira, setembro 16, 2003
PROCURA-SE
Alguém sabe, porventura, do paradeiro do Grande Reformador da Administração Pública Portuguesa, Prof. Doutor João de Deus Pinheiro? E de alguma medida que tenha proposto, para além das relativas à sua equipa de colaboradores e aos seus vencimentos? E de quanto tempo falta para terminar o prazo dado pelo Governo para se proceder à dita reforma.
Qualquer informação deve ser remetida para catalaxia@hotmail.com
Alguém sabe, porventura, do paradeiro do Grande Reformador da Administração Pública Portuguesa, Prof. Doutor João de Deus Pinheiro? E de alguma medida que tenha proposto, para além das relativas à sua equipa de colaboradores e aos seus vencimentos? E de quanto tempo falta para terminar o prazo dado pelo Governo para se proceder à dita reforma.
Qualquer informação deve ser remetida para catalaxia@hotmail.com
O PIOR DA IGREJA
A Conferência Episcopal Portuguesa, numa carta pastoral divulgada ontem, toma posição pública sobre um conjunto de problemas que afectam a sociedade portuguesa. O documento, que se designa "Responsabilidade solidária pelo bem comum", refere, segundo o jornal Público, os "salários injustos e desadequados", as "dissimulações e fraudes fiscais por parte dos cidadãos e grupos económicos", "o estado eticamente inaceitável do comportamento de grande parte dos condutores em Portugal", a "perturbadora" contenção da despesa pública em certos sectores considerados essenciais à população mais carenciada. Chega ao cúmulo de enunciar uma lista de "pecados sociais", onde se destacam "os egoísmos individualistas".
Não está em causa a liberdade de expressão da Igreja de Roma, bem como o direito que tem a formular os juizos de opinião que entender convenientes. Mas desagrada-nos ver esta influência terceiro-mundista que se exerce sobre a Igreja portuguesa, inspirada pelo nosso Leonardo Boff de trazer por casa que é o Padre Vitor Melícias, e que é uma desagradável mistura de cristianismo e marxismo.
Que a Igreja se lembre dos mais pobres e os proteja é a sua missão primordial. Mas que se lembre deles, também, quando suga ao Estado e aos contribuintes receitas para a Universidade Católica e alvarás para estações de televisão, era o que gostaríamos de ver.
A Conferência Episcopal Portuguesa, numa carta pastoral divulgada ontem, toma posição pública sobre um conjunto de problemas que afectam a sociedade portuguesa. O documento, que se designa "Responsabilidade solidária pelo bem comum", refere, segundo o jornal Público, os "salários injustos e desadequados", as "dissimulações e fraudes fiscais por parte dos cidadãos e grupos económicos", "o estado eticamente inaceitável do comportamento de grande parte dos condutores em Portugal", a "perturbadora" contenção da despesa pública em certos sectores considerados essenciais à população mais carenciada. Chega ao cúmulo de enunciar uma lista de "pecados sociais", onde se destacam "os egoísmos individualistas".
Não está em causa a liberdade de expressão da Igreja de Roma, bem como o direito que tem a formular os juizos de opinião que entender convenientes. Mas desagrada-nos ver esta influência terceiro-mundista que se exerce sobre a Igreja portuguesa, inspirada pelo nosso Leonardo Boff de trazer por casa que é o Padre Vitor Melícias, e que é uma desagradável mistura de cristianismo e marxismo.
Que a Igreja se lembre dos mais pobres e os proteja é a sua missão primordial. Mas que se lembre deles, também, quando suga ao Estado e aos contribuintes receitas para a Universidade Católica e alvarás para estações de televisão, era o que gostaríamos de ver.
ESTADO E SISTEMAS ELEITORAIS
Do João Pedro Granja recebemos uma, como sempre, oportuna achega à ideia de criação de círculos uninomimais. A perspectiva que defende é, naturalmente, liberal e, muito legitimamente, preocupa-o o aumento de despesa e a conflitualidade que este sistema poderia provocar, em virtude dos múltiplos interesses que os deputados assim eleitos teriam de representar. Escreve ele:
"1- O objectivo do deputado é ser reeleito;
2- A população ganhará incentivos para ir ter com o deputado do círculo e
apresentar as suas exigências;
3- O deputado terá incentivos para as concretizar por forma a ser reeleito;
4- Os benefícios totais da hipotética proposta poderão ser menores que os seus custos, mas os custos são repartidos pela comunidade, enquanto que os benefícios revertem para o círculo;
5- Como tal a proposta poderia não passar no parlamento ou câmara onde fosse votada;
6- Mas os deputados dos outros círculos têm também propostas;
7- Os deputados teriam interesse em desenvolver acordos de votação para passar as suas propostas;
8- A despesa pública aumentaria e aplicada em projectos irracionais?"
Sobre estas temáticas diria o seguinte:
1. Do ponto de vista do liberalismo, a democracia é um método e não um fim. O fim está em assegurar um Estado mínimo e um Governo controlado que garanta as liberdades individuais;
2. Assim, se fosse possível, repito, se fosse possível repor um Estado mínimo que efectivamente resultasse de um contrato social livremente assumido pelos cidadãos, o sufrágio manter-se-ia universal, mas nada imporia que fosse igualitário. Pelo contrário, num Estado liberal, a democracia seria censitária, à maneira oitocentista, que levou Marx a designá-la e bem, de burguesa.
3. Quer isto dizer, que se encararmos o Estado como a resultante de um contrato livremente assumido pelos cidadãos, estes instituem um instrumento e um somente um mero instrumento, ao serviço dos seus interesses, liberdades e garantias. Assim, ele será tal qual uma sociedade anónima, na qual a Administração, isto é, o Governo, é eleito pelos sócios na devida proporção da representação no capital social, determinada, obviamente, pela contribuição fiscal de cada um. Repare-se que, não por acaso, a designação do governo dos EUA é, precisamente, a de "Administração". A analogia não é casual. Este sistema vigorou, em parte, em muitas monarquias constitucionais europeias do século XIX. Não é, por inteiro, uma originalidade;
4. Poém, não ignoramos que vivemos num Estado absolutista, onde não existem praticamente limites aos poderes do Governo, ressalvando os que a Constituição impõe em matéria de direitos fundamentais à vida, liberdade de expressão e pouco mais. A diferença é que os titulares dos órgãos de soberania são determinados por sufrágio universal, em eleições que ocorrem em períodos de quatro ou cinco anos, onde se sucedem rotineiramente os dirigentes políticos. Este é um escassíssimo poder de controlo democrático sobre, não a actuação do Governo, mas a sua designação;
5. Esta democracia é genuinamente aristocrática e oligárquica, porque o acesso que os cidadãos a ela têm é muito limitado, nomeadamente por regras criadas pela elite dirigente (sensu lato para a sua auto-preservação. Veja-se, por exemplo, a proibição de candidaturas à Assembleia da República fora das listas partidárias. Não existe um só argumento democrático que a legitime;
6. Contudo e apesar de má, é nela que vivemos. Portanto, há que racionalizá-la, de modo a minorar os seus inconvenientes e a aumentar os entraves ao poder do Estado, do Governo e da classe política. A modificação do sistema eleitoral seria um passo importante;
7. Todos os deputados, por princípio, querem ser reeleitos. Num sistema de círculos uninominais têm de agradar, em primeira instância, ao seu eleitorado. No método vigente, têm de bajular os directórios partidários ou quem lhes garanta um lugar elegível nas listas;
8. Isso gera, naturalmente, um total desfazamento entre os interesses dos eleitores supostamente representados no Parlamento e os interesses que aí são efectivamente considerados;
9. No sistema de círculos uninominais, naturalmente que os deputados têm de acorrer aos pedidos e às exigências dos seus eleitores. Mas isso sucede, como muito bem observou, com todos eles, sendo impossível materializar todas as suas pretensões. Esta é, provavelmente, uma boa maneira de conseguir soluções equilibradas entre os decisores políticos, que terão de ceder reciprocamente. Na perspectiva dos cheks and balances, talvez seja o mais natural e eficaz mecanismo de equilíbrio de interesses políticos divergentes;
10. Nada disto colide com o rigor orçamental necessário a um Estado liberal. Se os travões à despesa pública forem imperativos, bem podem clamar os deputados por mais euros para investimentos locais, que os não terão. Esta função compete ao Governo e a um Ministro das Finanças rigoroso, em defesa da propriedade e dos rendimentos dos cidadãos;
11. Mas a principal vantagem deste sistema está em assegurar uma muito maior circulação do pessoal político intermédio e, mesmo até, superior, que evite a esclerose democrática em que nos encontramos;
12. Aumenta, também, a responsabilidade do pessoal político. Em 1992, conheci um deputado da nossa Assembleia da República que lá estava, ininterruptamente, desde as eleições constituintes (1975) e se gabava de nunca ter feito uma única intervenção parlamentar. Considerava-se, com orgulho, virgem na matéria. Disse-me que outros colegas seus o tinham conseguido, mas por menos tempo, e que outros tinham sido violados com um ou dois discursos. Ele fora, até então, o melhor: dezassete anos, quase vinte, sem abrir a boca, sem dar um pio;
13. Por último, eu objectaria à sua preocupação de paralisia legislativa provocada pelos desentendimentos e divergências dos deputados, com o exemplo da Itália do pós-guerra. Como sabe, este país desenvolveu uma sociedade extraordinariamente evoluida e sofisticada, num ambiente de instabilidade governativa e parlamentar absoluta: os partidos não se entendiam, os governos sucediam-se uns aos outros, o parlamento era dissolvido, pelo menos, uma vez por ano. Nesta trapalhada política e governativa, os políticos deixaram florescer uma das mais evoluidas e industrializadas economias europeias, não lhe impondo regras severas de funcionamento. Quer prova mais evidente de que o Governo não serve para quase nada e pode ser mesmo, como o é frequentemente no caso português, um factor de subdesenvolvimento e atraso?
Do João Pedro Granja recebemos uma, como sempre, oportuna achega à ideia de criação de círculos uninomimais. A perspectiva que defende é, naturalmente, liberal e, muito legitimamente, preocupa-o o aumento de despesa e a conflitualidade que este sistema poderia provocar, em virtude dos múltiplos interesses que os deputados assim eleitos teriam de representar. Escreve ele:
"1- O objectivo do deputado é ser reeleito;
2- A população ganhará incentivos para ir ter com o deputado do círculo e
apresentar as suas exigências;
3- O deputado terá incentivos para as concretizar por forma a ser reeleito;
4- Os benefícios totais da hipotética proposta poderão ser menores que os seus custos, mas os custos são repartidos pela comunidade, enquanto que os benefícios revertem para o círculo;
5- Como tal a proposta poderia não passar no parlamento ou câmara onde fosse votada;
6- Mas os deputados dos outros círculos têm também propostas;
7- Os deputados teriam interesse em desenvolver acordos de votação para passar as suas propostas;
8- A despesa pública aumentaria e aplicada em projectos irracionais?"
Sobre estas temáticas diria o seguinte:
1. Do ponto de vista do liberalismo, a democracia é um método e não um fim. O fim está em assegurar um Estado mínimo e um Governo controlado que garanta as liberdades individuais;
2. Assim, se fosse possível, repito, se fosse possível repor um Estado mínimo que efectivamente resultasse de um contrato social livremente assumido pelos cidadãos, o sufrágio manter-se-ia universal, mas nada imporia que fosse igualitário. Pelo contrário, num Estado liberal, a democracia seria censitária, à maneira oitocentista, que levou Marx a designá-la e bem, de burguesa.
3. Quer isto dizer, que se encararmos o Estado como a resultante de um contrato livremente assumido pelos cidadãos, estes instituem um instrumento e um somente um mero instrumento, ao serviço dos seus interesses, liberdades e garantias. Assim, ele será tal qual uma sociedade anónima, na qual a Administração, isto é, o Governo, é eleito pelos sócios na devida proporção da representação no capital social, determinada, obviamente, pela contribuição fiscal de cada um. Repare-se que, não por acaso, a designação do governo dos EUA é, precisamente, a de "Administração". A analogia não é casual. Este sistema vigorou, em parte, em muitas monarquias constitucionais europeias do século XIX. Não é, por inteiro, uma originalidade;
4. Poém, não ignoramos que vivemos num Estado absolutista, onde não existem praticamente limites aos poderes do Governo, ressalvando os que a Constituição impõe em matéria de direitos fundamentais à vida, liberdade de expressão e pouco mais. A diferença é que os titulares dos órgãos de soberania são determinados por sufrágio universal, em eleições que ocorrem em períodos de quatro ou cinco anos, onde se sucedem rotineiramente os dirigentes políticos. Este é um escassíssimo poder de controlo democrático sobre, não a actuação do Governo, mas a sua designação;
5. Esta democracia é genuinamente aristocrática e oligárquica, porque o acesso que os cidadãos a ela têm é muito limitado, nomeadamente por regras criadas pela elite dirigente (sensu lato para a sua auto-preservação. Veja-se, por exemplo, a proibição de candidaturas à Assembleia da República fora das listas partidárias. Não existe um só argumento democrático que a legitime;
6. Contudo e apesar de má, é nela que vivemos. Portanto, há que racionalizá-la, de modo a minorar os seus inconvenientes e a aumentar os entraves ao poder do Estado, do Governo e da classe política. A modificação do sistema eleitoral seria um passo importante;
7. Todos os deputados, por princípio, querem ser reeleitos. Num sistema de círculos uninominais têm de agradar, em primeira instância, ao seu eleitorado. No método vigente, têm de bajular os directórios partidários ou quem lhes garanta um lugar elegível nas listas;
8. Isso gera, naturalmente, um total desfazamento entre os interesses dos eleitores supostamente representados no Parlamento e os interesses que aí são efectivamente considerados;
9. No sistema de círculos uninominais, naturalmente que os deputados têm de acorrer aos pedidos e às exigências dos seus eleitores. Mas isso sucede, como muito bem observou, com todos eles, sendo impossível materializar todas as suas pretensões. Esta é, provavelmente, uma boa maneira de conseguir soluções equilibradas entre os decisores políticos, que terão de ceder reciprocamente. Na perspectiva dos cheks and balances, talvez seja o mais natural e eficaz mecanismo de equilíbrio de interesses políticos divergentes;
10. Nada disto colide com o rigor orçamental necessário a um Estado liberal. Se os travões à despesa pública forem imperativos, bem podem clamar os deputados por mais euros para investimentos locais, que os não terão. Esta função compete ao Governo e a um Ministro das Finanças rigoroso, em defesa da propriedade e dos rendimentos dos cidadãos;
11. Mas a principal vantagem deste sistema está em assegurar uma muito maior circulação do pessoal político intermédio e, mesmo até, superior, que evite a esclerose democrática em que nos encontramos;
12. Aumenta, também, a responsabilidade do pessoal político. Em 1992, conheci um deputado da nossa Assembleia da República que lá estava, ininterruptamente, desde as eleições constituintes (1975) e se gabava de nunca ter feito uma única intervenção parlamentar. Considerava-se, com orgulho, virgem na matéria. Disse-me que outros colegas seus o tinham conseguido, mas por menos tempo, e que outros tinham sido violados com um ou dois discursos. Ele fora, até então, o melhor: dezassete anos, quase vinte, sem abrir a boca, sem dar um pio;
13. Por último, eu objectaria à sua preocupação de paralisia legislativa provocada pelos desentendimentos e divergências dos deputados, com o exemplo da Itália do pós-guerra. Como sabe, este país desenvolveu uma sociedade extraordinariamente evoluida e sofisticada, num ambiente de instabilidade governativa e parlamentar absoluta: os partidos não se entendiam, os governos sucediam-se uns aos outros, o parlamento era dissolvido, pelo menos, uma vez por ano. Nesta trapalhada política e governativa, os políticos deixaram florescer uma das mais evoluidas e industrializadas economias europeias, não lhe impondo regras severas de funcionamento. Quer prova mais evidente de que o Governo não serve para quase nada e pode ser mesmo, como o é frequentemente no caso português, um factor de subdesenvolvimento e atraso?
segunda-feira, setembro 15, 2003
CONVERSA EM DIA
O Mata-Mouros defende que a rejeição da Suécia ao euro é o resultado da não adesão da população a uma estrutura construtivista da responsabilidade da burocracia de Bruxelas. Eu não concordo, por várias razões. Embora não negue que a União Europeia tem ciclos de voluntarismo político (que, habitualmente, coincidem com o predomínio de governos socialistas nos Estados-membros) onde se tenta artificialmente comunitarizar reservas de soberania nacional, os resultados dessas tentativas são, habitualmente, o fracasso e o adiamento sine die (v.g. a PESC). Mas não me parece que não haja adesão popular ao que tem sido gradualmente construído e que está consolidado. Proponho ao Mata-Mouros o seguinte exercício intelectual: tente imaginar qual seria o resultado de um referendo que submetesse à consideração dos povos da União o regresso das fronteiras entre os Estados-membros e das respectivas moedas nacionais. Tem dúvida que seriam esmagadoramente reprovados?
O Católico e de Direita, a propósito da alteração do método de Hondt, adianta, como hipótese o modelo francês (círculos uninominais com eleição por maioria absoluta ou em duas voltas). Não me parece hipótese a excluir. Como também não colocaria de lado um modelo próximo do alemão, com um parlamento composto por deputados eleitos em dois sistemas – círculos distritais, em que o sufrágio obedeceria a um método proporcional e à apresentação de listas; e círculos uninominais, de maioria simples ou em duas voltas. O que acho significativo é que se acabe com o método em vigor, que é uma espécie de vaca sagrada da nossa democracia da IIIª República. Só, deste modo, se poderão minorar as influências exercidas marginalmente à democracia por lobies e grupos de pressão. A partir do momento em que os partidos tenham de ceder espaço aos cidadãos e à sociedade civil para ganharem eleições, estes serão bem mais importantes do que interesses eventualmente menos transparentes.
O Aijasus, novidade na nossa blogosfera cujo surgimento aproveito para saudar, entende que o sistema uninominal tende à consagração de interesses locais e particulares sobre o interesse nacional. E dá por exemplo o que sucedeu no famoso episódio do “queijo limiano”, há alguns anos atrás. Discordo, desde logo, porque, para um liberal, o interesse nacional – admitindo que ele exista ou que se possa determinar -, mais não é do que a simples adição de inúmeros interesses individuais. Mas, ainda que assim não fosse, nada leva a concluir que a aplicação desse sistema eleitoral leve a tal resultado. Porém, para minorar essa eventualidade, os países onde se aplica este método costumam ter um parlamento bicamaral, sendo a câmara alta (Senado, em França, Bubdesrat, na Alemanha e, agora, a Câmara dos Lordes, no Reino Unido) composta por representantes das regiões locais e dos seus interesses específicos. Poderia ser uma possibilidade, diminuindo o número de deputados da actual Assembleia da República, e desde que não se fizesse dessa câmara, como em tempos foi sugerido, um antro de bonzos reformados da política, com “relevantes serviços prestados à Pátria”. Agora, como está é que não serve.
O Mata-Mouros defende que a rejeição da Suécia ao euro é o resultado da não adesão da população a uma estrutura construtivista da responsabilidade da burocracia de Bruxelas. Eu não concordo, por várias razões. Embora não negue que a União Europeia tem ciclos de voluntarismo político (que, habitualmente, coincidem com o predomínio de governos socialistas nos Estados-membros) onde se tenta artificialmente comunitarizar reservas de soberania nacional, os resultados dessas tentativas são, habitualmente, o fracasso e o adiamento sine die (v.g. a PESC). Mas não me parece que não haja adesão popular ao que tem sido gradualmente construído e que está consolidado. Proponho ao Mata-Mouros o seguinte exercício intelectual: tente imaginar qual seria o resultado de um referendo que submetesse à consideração dos povos da União o regresso das fronteiras entre os Estados-membros e das respectivas moedas nacionais. Tem dúvida que seriam esmagadoramente reprovados?
O Católico e de Direita, a propósito da alteração do método de Hondt, adianta, como hipótese o modelo francês (círculos uninominais com eleição por maioria absoluta ou em duas voltas). Não me parece hipótese a excluir. Como também não colocaria de lado um modelo próximo do alemão, com um parlamento composto por deputados eleitos em dois sistemas – círculos distritais, em que o sufrágio obedeceria a um método proporcional e à apresentação de listas; e círculos uninominais, de maioria simples ou em duas voltas. O que acho significativo é que se acabe com o método em vigor, que é uma espécie de vaca sagrada da nossa democracia da IIIª República. Só, deste modo, se poderão minorar as influências exercidas marginalmente à democracia por lobies e grupos de pressão. A partir do momento em que os partidos tenham de ceder espaço aos cidadãos e à sociedade civil para ganharem eleições, estes serão bem mais importantes do que interesses eventualmente menos transparentes.
O Aijasus, novidade na nossa blogosfera cujo surgimento aproveito para saudar, entende que o sistema uninominal tende à consagração de interesses locais e particulares sobre o interesse nacional. E dá por exemplo o que sucedeu no famoso episódio do “queijo limiano”, há alguns anos atrás. Discordo, desde logo, porque, para um liberal, o interesse nacional – admitindo que ele exista ou que se possa determinar -, mais não é do que a simples adição de inúmeros interesses individuais. Mas, ainda que assim não fosse, nada leva a concluir que a aplicação desse sistema eleitoral leve a tal resultado. Porém, para minorar essa eventualidade, os países onde se aplica este método costumam ter um parlamento bicamaral, sendo a câmara alta (Senado, em França, Bubdesrat, na Alemanha e, agora, a Câmara dos Lordes, no Reino Unido) composta por representantes das regiões locais e dos seus interesses específicos. Poderia ser uma possibilidade, diminuindo o número de deputados da actual Assembleia da República, e desde que não se fizesse dessa câmara, como em tempos foi sugerido, um antro de bonzos reformados da política, com “relevantes serviços prestados à Pátria”. Agora, como está é que não serve.
domingo, setembro 14, 2003
ÚLTIMAS:
GUINÉ-BISSAU: Tumba no Kumba;
PORTAS regressa ao Liberalismo. Aguada-se que, em nome da coerência, abandone o Governo;
MARCELO oferece, em directo, leitão à TVI: vai ser necessário muito "reco" para ser candidato à Presidência;
SUÉCIA diz não ao Euro. União fica sem coroas.
GUINÉ-BISSAU: Tumba no Kumba;
PORTAS regressa ao Liberalismo. Aguada-se que, em nome da coerência, abandone o Governo;
MARCELO oferece, em directo, leitão à TVI: vai ser necessário muito "reco" para ser candidato à Presidência;
SUÉCIA diz não ao Euro. União fica sem coroas.
sábado, setembro 13, 2003
SE DÚVIDAS AINDA HOUVESSE
O «Expresso» noticia hoje que a Polícia Judiciária terá ocultado e destruído provas de um importante processo de investigação sobre pedofilia que levou a cabo em 1997, envolvendo centenas de crianças e jovens portugueses, muitos dos quais casapianos.
Outro semanário, publicado ontem, reforça as insinuações que ligam Ferro Rodrigues a todo este processo e levanta a seu respeito as dúvidas mais hediondas.
A semana passada foi a vez da RTP e das pessoas ligadas aos meios tauromáquicos. Há muitos meses que se fala do envolvimento de conhecidas personalidades públicas situadas em todas as áreas da vida nacional. Realçam-se a existência quase certa (dada pelo distante e insuspeito «Le Point») de dois ministros do governo em funções. De outras figuras ligadas ao PS e ao PSD. De jornalistas, advogados, empresários, patrões da comunicação social, etc.
As principais estruturas sobre as quais se sustenta um Estado de Direito, as magistraturas judiciais e os advogados, aqueles nas mãos de quem se encontra a defesa dos direitos dos cidadãos, estão em guerra aberta, por orgulho e preconceito, destruindo toda a réstea de confiança que ainda pudesse sobrar.
Assistindo ao desenrolar de um processo sobre o qual se desconhece o princípio, meio e fim, e que tem sido gerido como se de um longo e hipnótico número de ilusionismo se tratasse, no qual a assistência aguarda o próximo coelho a sair da cartola, a nossa sociedade vive a sua mais violenta crise moral de que há memória.
Perante tudo isto, ao longo de meses e meses de agonia, nem uma palavra do Governo, nem uma comunicação do Primeiro-Ministro ao País, nem uma nota oficial do Conselho de Ministros ou, tão-pouco, da Ministra da Justiça. Nada. Para além de palavras de circunstância de que «é preciso deixar a justiça agir» ou que «temos de acreditar nas instituições», um pesado silêncio.
É como se tudo isto se estivesse a passar noutro país ou que o nosso governo e a nossa oposição fossem do Burkina Faso. Com tudo a ruir, a sensação de irrealidade é absoluta.
Para acentuar o patético da tragédia, essa anedota falante que é o Ministro Arnaut, encheu-se de brios, engrossou a débil voz e exigiu aos nossos jogadores da selecção A de futebol resultados vitoriosos no Euro 2004. Invocou o dinheiro gasto pelos contribuintes, o orgulho nacional, a excelência da raça e a bandeira para clamar por troféus, honra e glória. No meio desta tragédia nacional, foi o melhor que o governo de Durão Barroso conseguiu dizer para levantar a moral: o Europeu é já para o ano e a raça lusitana tem de se mostrar ao Mundo. Ah!, nação valente, heróis do mar!
Se dúvidas ainda houvesse de que Portugal, há muito, deixou de ser um país, uma colectividade de destino ou uma personalidade moral, aqui está uma cabal evidencia disso mesmo. Só não vê quem não quer.
O «Expresso» noticia hoje que a Polícia Judiciária terá ocultado e destruído provas de um importante processo de investigação sobre pedofilia que levou a cabo em 1997, envolvendo centenas de crianças e jovens portugueses, muitos dos quais casapianos.
Outro semanário, publicado ontem, reforça as insinuações que ligam Ferro Rodrigues a todo este processo e levanta a seu respeito as dúvidas mais hediondas.
A semana passada foi a vez da RTP e das pessoas ligadas aos meios tauromáquicos. Há muitos meses que se fala do envolvimento de conhecidas personalidades públicas situadas em todas as áreas da vida nacional. Realçam-se a existência quase certa (dada pelo distante e insuspeito «Le Point») de dois ministros do governo em funções. De outras figuras ligadas ao PS e ao PSD. De jornalistas, advogados, empresários, patrões da comunicação social, etc.
As principais estruturas sobre as quais se sustenta um Estado de Direito, as magistraturas judiciais e os advogados, aqueles nas mãos de quem se encontra a defesa dos direitos dos cidadãos, estão em guerra aberta, por orgulho e preconceito, destruindo toda a réstea de confiança que ainda pudesse sobrar.
Assistindo ao desenrolar de um processo sobre o qual se desconhece o princípio, meio e fim, e que tem sido gerido como se de um longo e hipnótico número de ilusionismo se tratasse, no qual a assistência aguarda o próximo coelho a sair da cartola, a nossa sociedade vive a sua mais violenta crise moral de que há memória.
Perante tudo isto, ao longo de meses e meses de agonia, nem uma palavra do Governo, nem uma comunicação do Primeiro-Ministro ao País, nem uma nota oficial do Conselho de Ministros ou, tão-pouco, da Ministra da Justiça. Nada. Para além de palavras de circunstância de que «é preciso deixar a justiça agir» ou que «temos de acreditar nas instituições», um pesado silêncio.
É como se tudo isto se estivesse a passar noutro país ou que o nosso governo e a nossa oposição fossem do Burkina Faso. Com tudo a ruir, a sensação de irrealidade é absoluta.
Para acentuar o patético da tragédia, essa anedota falante que é o Ministro Arnaut, encheu-se de brios, engrossou a débil voz e exigiu aos nossos jogadores da selecção A de futebol resultados vitoriosos no Euro 2004. Invocou o dinheiro gasto pelos contribuintes, o orgulho nacional, a excelência da raça e a bandeira para clamar por troféus, honra e glória. No meio desta tragédia nacional, foi o melhor que o governo de Durão Barroso conseguiu dizer para levantar a moral: o Europeu é já para o ano e a raça lusitana tem de se mostrar ao Mundo. Ah!, nação valente, heróis do mar!
Se dúvidas ainda houvesse de que Portugal, há muito, deixou de ser um país, uma colectividade de destino ou uma personalidade moral, aqui está uma cabal evidencia disso mesmo. Só não vê quem não quer.
quinta-feira, setembro 11, 2003
Dois anos após o 11 de Setembro, o mundo não estará mais seguro. Mas poderia estar seguramente muito mais perigoso.
quarta-feira, setembro 10, 2003
IRREFLEXÕES, PARTE XXXVII
Apesar do manifesto interesse que a troca de ideias com o Irreflexões tem tido, aqui o escriba entende que é um bocadinho saturante prolongar polémicas na blogosfera, pelo que dá este assunto, no que a si toca, hoje e aqui por encerrado. Sem prejuízo, naturalmente, de podermos debater outros temas no futuro.
Concluíria, portanto, dizendo o seguinte:
1. Para os liberais os «monopólios naturais» não existem. As situações monopolistas são, invariavelmente, da responsabilidade directa ou indirecta do Estado, por limitarem o acesso da iniciativa privada a determinados sectores (energia, televisão, educação, comunicações etc.), ou por deformarem as regras de uma concorrência plena;
2. Para um liberal quem corrige as deficiências do mercado é o proprio mercado, ou melhor, a livre concorrência, que trata, com tempo, de eliminar os potenciais monopólios. O Estado é que nunca. Pode intervir por outros motivos. Para agir no mercado é que não.
3. Não existem poderes maus e bons no exercício político. Existem bons, maus e péssimos governantes. As sociedades liberais devem limitar ao máximo os poderes do Governo, para que não se corra o risco de que ele vá parar a mãos incompetentes ou, pior, mal intencionadas. Também por isto, o Estado deve ser mínimo;
4. Um liberal entende que a lei é a declaração por via positiva e instrumental das «regras de justa conduta», geradas ao longo dos anos, mesmo até dos séculos, que reproduzem as melhores soluções encontradas pelo «mercado» social, ou melhor, pela ordem social espontânea;
5. Sem dúvida que alguns governos ocidentais liberalizaram amplos sectores das suas economias. Sabe a partir de quem? Do governo da Sra. Thatcher. Sabe contra quem? Contra os partidos socialistas e a esquerda europeia, e os sindicatos que a dominavam. Nessa luta, a Sra. Thatcher esteve isolada durante muito tempo, nomeadamente em relação aos seus colegas ocidentais, que a acusavam de irresponsabilidade e lhe anteviam uma curta duração política;
6. De então para cá, a liberalização económica dá-se invariavelmente pelas seguintes razões: ou pela falência dos sectores privatizados, ou pela necessidade do Estado obter receitas extraordinárias, ou pela pressão da opinião pública que não acha tolerável a incompetência dos monopólios do Estado;
7. Um liberal não é rousseauniano. Isto é, não aceita que a democracia seja a expressão da «volonté général» manifestada por assembleias parlamentares, cuja representatividade é, quantas vezes, muito reduzida. A instrumentalização da lei para "mudar" o mundo e a sociedade, é, na verdade, uma ideia construtivista e socialista e um dos piores venenos das modernas democracias. Não é uma ideia querida ao liberalismo;
8. Por último, o exemplo que utilizou («quem deve ser censurado é o homicida e não a arma que ele usou») não podia ser melhor escolhido. Por isso mesmo é que, nos Estados de Direito, os cidadãos não devem andar armados. Nem disfarçados de caçadores, o que acontece sobejamente, como sabe, nesta terra gloriosa que é Portugal.
Apesar do manifesto interesse que a troca de ideias com o Irreflexões tem tido, aqui o escriba entende que é um bocadinho saturante prolongar polémicas na blogosfera, pelo que dá este assunto, no que a si toca, hoje e aqui por encerrado. Sem prejuízo, naturalmente, de podermos debater outros temas no futuro.
Concluíria, portanto, dizendo o seguinte:
1. Para os liberais os «monopólios naturais» não existem. As situações monopolistas são, invariavelmente, da responsabilidade directa ou indirecta do Estado, por limitarem o acesso da iniciativa privada a determinados sectores (energia, televisão, educação, comunicações etc.), ou por deformarem as regras de uma concorrência plena;
2. Para um liberal quem corrige as deficiências do mercado é o proprio mercado, ou melhor, a livre concorrência, que trata, com tempo, de eliminar os potenciais monopólios. O Estado é que nunca. Pode intervir por outros motivos. Para agir no mercado é que não.
3. Não existem poderes maus e bons no exercício político. Existem bons, maus e péssimos governantes. As sociedades liberais devem limitar ao máximo os poderes do Governo, para que não se corra o risco de que ele vá parar a mãos incompetentes ou, pior, mal intencionadas. Também por isto, o Estado deve ser mínimo;
4. Um liberal entende que a lei é a declaração por via positiva e instrumental das «regras de justa conduta», geradas ao longo dos anos, mesmo até dos séculos, que reproduzem as melhores soluções encontradas pelo «mercado» social, ou melhor, pela ordem social espontânea;
5. Sem dúvida que alguns governos ocidentais liberalizaram amplos sectores das suas economias. Sabe a partir de quem? Do governo da Sra. Thatcher. Sabe contra quem? Contra os partidos socialistas e a esquerda europeia, e os sindicatos que a dominavam. Nessa luta, a Sra. Thatcher esteve isolada durante muito tempo, nomeadamente em relação aos seus colegas ocidentais, que a acusavam de irresponsabilidade e lhe anteviam uma curta duração política;
6. De então para cá, a liberalização económica dá-se invariavelmente pelas seguintes razões: ou pela falência dos sectores privatizados, ou pela necessidade do Estado obter receitas extraordinárias, ou pela pressão da opinião pública que não acha tolerável a incompetência dos monopólios do Estado;
7. Um liberal não é rousseauniano. Isto é, não aceita que a democracia seja a expressão da «volonté général» manifestada por assembleias parlamentares, cuja representatividade é, quantas vezes, muito reduzida. A instrumentalização da lei para "mudar" o mundo e a sociedade, é, na verdade, uma ideia construtivista e socialista e um dos piores venenos das modernas democracias. Não é uma ideia querida ao liberalismo;
8. Por último, o exemplo que utilizou («quem deve ser censurado é o homicida e não a arma que ele usou») não podia ser melhor escolhido. Por isso mesmo é que, nos Estados de Direito, os cidadãos não devem andar armados. Nem disfarçados de caçadores, o que acontece sobejamente, como sabe, nesta terra gloriosa que é Portugal.
MUDAR O MÉTODO PARA MUDAR O SISTEMA
Neste debate que, involuntariamente, parece ter provocado a minha "posta" sobre o método de Hondt e os malefícios que ele provoca à democracia, quero realçar os importantes contributos dados hoje pelos blogues Fumaças, Faccioso, Epicurtas, Veto Político (engraçadíssimo o conceito de «cacocracia», que espero que o Nélson desenvolva).
Ao João Carvalho Fernandes, em particular, agradeço a republicação da "posta" sobre o tema, que deconhecia e que subscrevo integralmente.
Neste debate que, involuntariamente, parece ter provocado a minha "posta" sobre o método de Hondt e os malefícios que ele provoca à democracia, quero realçar os importantes contributos dados hoje pelos blogues Fumaças, Faccioso, Epicurtas, Veto Político (engraçadíssimo o conceito de «cacocracia», que espero que o Nélson desenvolva).
Ao João Carvalho Fernandes, em particular, agradeço a republicação da "posta" sobre o tema, que deconhecia e que subscrevo integralmente.
BICHOS
Alguns órgãos de comunicação social noticiaram, ontem e hoje, que uma mulher de cinquenta anos contratou um vizinho para assassinar a sua própria mãe, octogenária.
Os motivos que a levaram ao matricídio terão sido a falta de espaço na casa onde ambas viviam e o feitio rezingão da velha senhora. Para o consumar pagou 500 euros a um jovem seu vizinho, tido por rapaz pacato e boa pessoa, nada dado a violências, que prontamente aceitou e despachou o serviço.
Desta história abominável podem tirar-se algumas conclusões: a primeira, será a banalização da vida e da morte, nalgumas parcelas da nossa sociedade; a segunda, é que, em Portugal, por meia dúzia de patacas se conseguem contratar assassinos de entre pessoas insuspeitas de o poderem ser; a terceira, é a de que, actualmente, muita gente não tem a noção de que, na vida, nem tudo são facilidades e que o sacrifício e a dedicação aos outros também faz parte dela.
Nesta destruição de valores basilares de uma sociedade civilizada está, não duvidem, a nefasta influência da televisão, com a frieza com que divulga uma «cultura» de superficialidade e relativismo moral. Não falo, naturalmente, em filmes violentos ou pornográficos. Esses, desde que selectivamente vedados às crianças, não fazem mal a ninguém. Falo dos «big brothers» e lixo afim, das quebras de reserva da intimidade e bom nome das pessoas, da ausência de pudor em espaços noticiosos aparentemente inofensivos que, há muito, evidenciam a falta de uma séria lei para o sector.
Quando todos pensávamos que estas coisas só sucediam no Brasil mais pobre e miserável, ei-las que estão bem ao lado da nossa porta.
Alguns órgãos de comunicação social noticiaram, ontem e hoje, que uma mulher de cinquenta anos contratou um vizinho para assassinar a sua própria mãe, octogenária.
Os motivos que a levaram ao matricídio terão sido a falta de espaço na casa onde ambas viviam e o feitio rezingão da velha senhora. Para o consumar pagou 500 euros a um jovem seu vizinho, tido por rapaz pacato e boa pessoa, nada dado a violências, que prontamente aceitou e despachou o serviço.
Desta história abominável podem tirar-se algumas conclusões: a primeira, será a banalização da vida e da morte, nalgumas parcelas da nossa sociedade; a segunda, é que, em Portugal, por meia dúzia de patacas se conseguem contratar assassinos de entre pessoas insuspeitas de o poderem ser; a terceira, é a de que, actualmente, muita gente não tem a noção de que, na vida, nem tudo são facilidades e que o sacrifício e a dedicação aos outros também faz parte dela.
Nesta destruição de valores basilares de uma sociedade civilizada está, não duvidem, a nefasta influência da televisão, com a frieza com que divulga uma «cultura» de superficialidade e relativismo moral. Não falo, naturalmente, em filmes violentos ou pornográficos. Esses, desde que selectivamente vedados às crianças, não fazem mal a ninguém. Falo dos «big brothers» e lixo afim, das quebras de reserva da intimidade e bom nome das pessoas, da ausência de pudor em espaços noticiosos aparentemente inofensivos que, há muito, evidenciam a falta de uma séria lei para o sector.
Quando todos pensávamos que estas coisas só sucediam no Brasil mais pobre e miserável, ei-las que estão bem ao lado da nossa porta.
A PRIMEIRA MEDIDA
Chega de conversa mole!
Estou farto de trocar ideias na blogosfera com os inúmeros liberais de direita, esquerda, centro e sem qualquer referência geográfica, que polvilham, saltitam, escrevem e deliram sobre o fim do Estado, o Governo limitado, o reforço dos direitos e das garantias individuais.
Quase ninguém acredita verdadeiramente nisto. Todos pensam que, de uma ou outra forma, o Estado é uma fatalidade, o intervencionismo que corrige a mão invísivel, ceguinha e patarata, uma benesse celestial, o aumento da carga fiscal, um dever de cidadania e o cumprimento cego das determinações do poder, uma inevitabilidade.
Ó povo estúpido e explorado! É esta a ideia que temos de democracia? Foi por isto que que derrubámos um regime e que condenámos à morte, à miséria e à escravidão os povos da África, donde fugimos a sete pés, para exercermos, de quatro em quatro anos, o sacrossanto direito de eleger em alternância o PS, o PSD, o PSD e o CDS, o PS e o PSD, o PSD, o CDS e o PS? Não percebeis que eles são sempre os mesmos, de há trinta anos a esta parte, que criaram uma aristocracia de governo, uma oligarquia de poder que engorda no Governo central, nas autarquias, nas empresas públicas, na Assembleia, nas assessorias, nas directorias e no raio-que-os-parta, à custa dos nossos impostos, do nosso trabalho, do nosso bem-estar e do nosso futuro e do futuro dos nossos filhos?
Não percebeis que eles geraram uma aristocracia reprodutiva, que se auto-alimenta e regenera com regras próprias de acesso aos grupos de poder, limitadas e limitadoras, que impõem a um escol de subservientes acéfalos filiados nas jotas e jotinhas as condições para se virem a sentar à mesa do Orçamento?
Chega!
É altura de tornar claro se este liberalismo que cultivamos é simplesmente livresco e para gozo intelectual, ou se é para ter consequências.
Se estamos na segunda hipótese - e, se nos ficarmos pela primeira, a blogosfera é o exercício masturbatório mais hedonista que conheci nos dias da minha vida -, é necessário perceber como é que se pode saltar de uma oligarquia partidocrática, em que o exercício de voto é um mero recurso legitimador de um poder que não controlamos, para uma democracia efectivamente tutelada por quem a elege.
Que fazer, diria Lénine? É possível fazer alguma coisa, perguntarão os mais cépticos. Qual será a primeira medida?
É fácil. Ou melhor, mais fácil do que parece. Digam-me, na boa tradição dos romances policiais, a quem aproveita o crime? Ou, talvez, o que é que assusta verdadeiramente os rapazes do poder, o que é que lhes tira o sono?
O sistema eleitoral. Se repararem, há trinta anos que se pondera e promete a reforma do método de Hondt e que ele se mantém na mesma, porque a sua mudança encerra uma revolução que não interessa aos directórios dos partidos que nos cobram impostos.
Todo o sistema político português se baseia em quatro grupos de poder - PSD, PS, CDS e PCP - que dominam todo o aparelho do Estado, que selecionam o seu pessoal político na cacicagem e na mediocridade das jotas, e que se legitima em eleições escrutinadas pelo método de Hondt. Neste método ninguém vota em pessoas concreta. Vota-se nas siglas dos partidos por fervor clubístico, num líder de circunstância, num cabeça de lista de um distrito eleitoral, em casos muito especiais. À conta disto, os directórios partidários elegem anonimamente quem querem e lhes interessa: no círculo de Bragança os capangas de Chelas, no círculo de Faro a camarilha da jota. É assim. Estes são os verdadeiros fundamentos do nosso poder democrático.
Agora, imaginemos, que, à semelhança do sistema eleitoral do Reino Unido, optávamos por círculos uninominais. Isto é: o território nacional era dividido para efeitos eleitorais em duzentos e trinta circulos. Tantos quantos os deputados da Assembleia da República que, uma vez eleitos, escolherão o Primeiro Ministro. Cada um elegia um e só um deputado. Cada deputado teria, naturalmente, de convencer o seu eleitorado, a que não poderia ser estranho. Os directórios partidários seriam obrigados a escolher as pessoas mais habilitadas para serem eleitas nos seus círculos, se quisessem ter maioria parlamentar que lhes permitisse formar governo. E, por fim, como no Reino Unido, os deputados eleitos teriam de receber semanalmente, em escritórios apropriados para o efeito, os seus eleitores, para atenderem às suas reclamações. Se não cumprissem o que prometeram aos seus eleitorados, quatro anos depois de eleitos dariam o seu lugar a outros.
Esta é a primeira medida para, em Portugal, se romper com um sistema estatizante e liberalizar o País, o sistema político e esta sociedade de subservientes pagadores de impostos em que nos deixámos constituir. Um liberal só deverá votar num partido político que garanta lutar por esta reforma. Os liberais portugueses, transversalmente instalados nos partidos e na sociedade civil, deveriam constituir um movimento cívico que obrigasse os partidos a reformar o sistema eleitoral. Como o fizeram em defesa da regionalização, do direito à vida, do direito ao aborto, entre outros. Mudar o método é mudar o sistema!
Querer menos do que isto é não querer nada. E, nesse caso, não me voltem a falar de liberalismo em Portugal.
Chega de conversa mole!
Estou farto de trocar ideias na blogosfera com os inúmeros liberais de direita, esquerda, centro e sem qualquer referência geográfica, que polvilham, saltitam, escrevem e deliram sobre o fim do Estado, o Governo limitado, o reforço dos direitos e das garantias individuais.
Quase ninguém acredita verdadeiramente nisto. Todos pensam que, de uma ou outra forma, o Estado é uma fatalidade, o intervencionismo que corrige a mão invísivel, ceguinha e patarata, uma benesse celestial, o aumento da carga fiscal, um dever de cidadania e o cumprimento cego das determinações do poder, uma inevitabilidade.
Ó povo estúpido e explorado! É esta a ideia que temos de democracia? Foi por isto que que derrubámos um regime e que condenámos à morte, à miséria e à escravidão os povos da África, donde fugimos a sete pés, para exercermos, de quatro em quatro anos, o sacrossanto direito de eleger em alternância o PS, o PSD, o PSD e o CDS, o PS e o PSD, o PSD, o CDS e o PS? Não percebeis que eles são sempre os mesmos, de há trinta anos a esta parte, que criaram uma aristocracia de governo, uma oligarquia de poder que engorda no Governo central, nas autarquias, nas empresas públicas, na Assembleia, nas assessorias, nas directorias e no raio-que-os-parta, à custa dos nossos impostos, do nosso trabalho, do nosso bem-estar e do nosso futuro e do futuro dos nossos filhos?
Não percebeis que eles geraram uma aristocracia reprodutiva, que se auto-alimenta e regenera com regras próprias de acesso aos grupos de poder, limitadas e limitadoras, que impõem a um escol de subservientes acéfalos filiados nas jotas e jotinhas as condições para se virem a sentar à mesa do Orçamento?
Chega!
É altura de tornar claro se este liberalismo que cultivamos é simplesmente livresco e para gozo intelectual, ou se é para ter consequências.
Se estamos na segunda hipótese - e, se nos ficarmos pela primeira, a blogosfera é o exercício masturbatório mais hedonista que conheci nos dias da minha vida -, é necessário perceber como é que se pode saltar de uma oligarquia partidocrática, em que o exercício de voto é um mero recurso legitimador de um poder que não controlamos, para uma democracia efectivamente tutelada por quem a elege.
Que fazer, diria Lénine? É possível fazer alguma coisa, perguntarão os mais cépticos. Qual será a primeira medida?
É fácil. Ou melhor, mais fácil do que parece. Digam-me, na boa tradição dos romances policiais, a quem aproveita o crime? Ou, talvez, o que é que assusta verdadeiramente os rapazes do poder, o que é que lhes tira o sono?
O sistema eleitoral. Se repararem, há trinta anos que se pondera e promete a reforma do método de Hondt e que ele se mantém na mesma, porque a sua mudança encerra uma revolução que não interessa aos directórios dos partidos que nos cobram impostos.
Todo o sistema político português se baseia em quatro grupos de poder - PSD, PS, CDS e PCP - que dominam todo o aparelho do Estado, que selecionam o seu pessoal político na cacicagem e na mediocridade das jotas, e que se legitima em eleições escrutinadas pelo método de Hondt. Neste método ninguém vota em pessoas concreta. Vota-se nas siglas dos partidos por fervor clubístico, num líder de circunstância, num cabeça de lista de um distrito eleitoral, em casos muito especiais. À conta disto, os directórios partidários elegem anonimamente quem querem e lhes interessa: no círculo de Bragança os capangas de Chelas, no círculo de Faro a camarilha da jota. É assim. Estes são os verdadeiros fundamentos do nosso poder democrático.
Agora, imaginemos, que, à semelhança do sistema eleitoral do Reino Unido, optávamos por círculos uninominais. Isto é: o território nacional era dividido para efeitos eleitorais em duzentos e trinta circulos. Tantos quantos os deputados da Assembleia da República que, uma vez eleitos, escolherão o Primeiro Ministro. Cada um elegia um e só um deputado. Cada deputado teria, naturalmente, de convencer o seu eleitorado, a que não poderia ser estranho. Os directórios partidários seriam obrigados a escolher as pessoas mais habilitadas para serem eleitas nos seus círculos, se quisessem ter maioria parlamentar que lhes permitisse formar governo. E, por fim, como no Reino Unido, os deputados eleitos teriam de receber semanalmente, em escritórios apropriados para o efeito, os seus eleitores, para atenderem às suas reclamações. Se não cumprissem o que prometeram aos seus eleitorados, quatro anos depois de eleitos dariam o seu lugar a outros.
Esta é a primeira medida para, em Portugal, se romper com um sistema estatizante e liberalizar o País, o sistema político e esta sociedade de subservientes pagadores de impostos em que nos deixámos constituir. Um liberal só deverá votar num partido político que garanta lutar por esta reforma. Os liberais portugueses, transversalmente instalados nos partidos e na sociedade civil, deveriam constituir um movimento cívico que obrigasse os partidos a reformar o sistema eleitoral. Como o fizeram em defesa da regionalização, do direito à vida, do direito ao aborto, entre outros. Mudar o método é mudar o sistema!
Querer menos do que isto é não querer nada. E, nesse caso, não me voltem a falar de liberalismo em Portugal.
terça-feira, setembro 09, 2003
ENTUSIASMOS
O Nelson Faria, nosso confrade do Veto Político, anda entusiasmado com um debate sobre o défice e o intervencionismo estatal, que aqui mantivemos com outros bloguers. Com a ansiedade natural de quem se inicia nestas coisas, pediu-nos uma lista de livros e autores liberais, tendo-se mesmo adiantado com uma referência ao último livro de Hayek, autor de que demonstra já ter conhecimento. É por coisas destas que a blogosfera é gratificante.
Quanto à lista pedida, alguns dos livros de maior divulgação têm sido referidos nas nossas postas, com indicação da editora e ano de edição (o que é conveniente fazer quando se cita). Se quiser aprofundar conhecimentos, sugiro-lhe que faça uma busca na net, por exemplo e entre muitas outras, a Unión Editorial, espanhola, nossa vizinha, rápida nas entregas e com muita coisa publicada, ou a Laissez-Faire Bopks, que tem tudo.
Quanto a autores, atendendo ao entusiasmo que manifesta, recomendava-lhe a leitura do Murray Rothbard. É muito inovador e leve, uma espécie de Júlio Verne do liberalismo. Vai ver que gosta.
O Nelson Faria, nosso confrade do Veto Político, anda entusiasmado com um debate sobre o défice e o intervencionismo estatal, que aqui mantivemos com outros bloguers. Com a ansiedade natural de quem se inicia nestas coisas, pediu-nos uma lista de livros e autores liberais, tendo-se mesmo adiantado com uma referência ao último livro de Hayek, autor de que demonstra já ter conhecimento. É por coisas destas que a blogosfera é gratificante.
Quanto à lista pedida, alguns dos livros de maior divulgação têm sido referidos nas nossas postas, com indicação da editora e ano de edição (o que é conveniente fazer quando se cita). Se quiser aprofundar conhecimentos, sugiro-lhe que faça uma busca na net, por exemplo e entre muitas outras, a Unión Editorial, espanhola, nossa vizinha, rápida nas entregas e com muita coisa publicada, ou a Laissez-Faire Bopks, que tem tudo.
Quanto a autores, atendendo ao entusiasmo que manifesta, recomendava-lhe a leitura do Murray Rothbard. É muito inovador e leve, uma espécie de Júlio Verne do liberalismo. Vai ver que gosta.
RECADOS
Ao Cidadão Livre que refere a nossa "posta" «CHOQUE... E ESPANTO», e a quem agradecemos as palavras dirigidas, queriamos dizer que temos referido sistematicamente nos nossos textos a importância da Revolução Gloriosa na História do Ocidente e da liberdade. Se o não fizemos claramente desta vez, foi porque pretendemos caracterizar a evolução do "liberalismo" continental, na qual, infelizmente, a tradição inglesa esteve muito distante. Se me permite uma achega, bem antes de 1688 que os ingleses se preocupavam em limitar os poderes da coroa. Pelo menos, desde 1215 e da Magna Carta.
Ao Católico e de Direita queria dizer-lhe que, embora não duvide da existência de uma linha meridional que nos una, não me parece que seja o pessimismo antropológico que refere. Essa tradição contratualista hobbesiana que inspirou largas franja da direita, nada tem que ver com o liberalismo. O liberalismo não procede à avaliação da natureza humana, do bom ou mau carácter do homem, para chegar às formas da sua organização política. Essa é a análise maquiavélica, respeitabilíssima e, por vezes, muito útil, nomeadamente quando aplicada ao comportamento do Princípe, mas não a encontramos nos grandes contratualistas liberais. Para estes, os homens são seres racionais, com comportamentos que se baseiam na defesa do interesse individual, que estão em permanente relação de troca e intercâmbio, contribuindo, deste modo, para o bem-estar geral. O Estado é instituído para garantir que estas relações se possam desenvolver sem percalços, e assegurar os direitos fundamentais dos indivíduos, nos quais a propriedade assume o primeiro lugar: sem propriedade não há liberdade, sem liberdade o homem não passa de um escravo.
Não vejo, também, que a Igreja Católica e a teologia considerem o homem naturalmente mau. Sabem que ele é pecador, desde a consumação do pecado original. Mas, sabem também que ele pode redimir-se pelo arrependimento e pela contrição, que o conduzem a Deus, à imagem e semelhança de quem foi feito.
Ao Manuel do De Direita, a análise que faz subsume-se, uma vez mais, ao Estado, ao Governo e ao poder político, pelo qual tem um imenso e respeitável fascínio. Sobre a maneira de limitar os direitos desses poderes, continua sem se pronunciar. Estamos, desculpe dizer-lhe, muito perto de Maurras, Sardinha, do Integralismo Lusitano, do Rodrigo Emílio e do António José de Brito. Ok, vamos lá para tribunal. Só espero que não nos saia em sorte o Juiz Rui Teixeira. (Isto foi uma provocação. O nosso debate segue dentro de momentos).
Ao Cidadão Livre que refere a nossa "posta" «CHOQUE... E ESPANTO», e a quem agradecemos as palavras dirigidas, queriamos dizer que temos referido sistematicamente nos nossos textos a importância da Revolução Gloriosa na História do Ocidente e da liberdade. Se o não fizemos claramente desta vez, foi porque pretendemos caracterizar a evolução do "liberalismo" continental, na qual, infelizmente, a tradição inglesa esteve muito distante. Se me permite uma achega, bem antes de 1688 que os ingleses se preocupavam em limitar os poderes da coroa. Pelo menos, desde 1215 e da Magna Carta.
Ao Católico e de Direita queria dizer-lhe que, embora não duvide da existência de uma linha meridional que nos una, não me parece que seja o pessimismo antropológico que refere. Essa tradição contratualista hobbesiana que inspirou largas franja da direita, nada tem que ver com o liberalismo. O liberalismo não procede à avaliação da natureza humana, do bom ou mau carácter do homem, para chegar às formas da sua organização política. Essa é a análise maquiavélica, respeitabilíssima e, por vezes, muito útil, nomeadamente quando aplicada ao comportamento do Princípe, mas não a encontramos nos grandes contratualistas liberais. Para estes, os homens são seres racionais, com comportamentos que se baseiam na defesa do interesse individual, que estão em permanente relação de troca e intercâmbio, contribuindo, deste modo, para o bem-estar geral. O Estado é instituído para garantir que estas relações se possam desenvolver sem percalços, e assegurar os direitos fundamentais dos indivíduos, nos quais a propriedade assume o primeiro lugar: sem propriedade não há liberdade, sem liberdade o homem não passa de um escravo.
Não vejo, também, que a Igreja Católica e a teologia considerem o homem naturalmente mau. Sabem que ele é pecador, desde a consumação do pecado original. Mas, sabem também que ele pode redimir-se pelo arrependimento e pela contrição, que o conduzem a Deus, à imagem e semelhança de quem foi feito.
Ao Manuel do De Direita, a análise que faz subsume-se, uma vez mais, ao Estado, ao Governo e ao poder político, pelo qual tem um imenso e respeitável fascínio. Sobre a maneira de limitar os direitos desses poderes, continua sem se pronunciar. Estamos, desculpe dizer-lhe, muito perto de Maurras, Sardinha, do Integralismo Lusitano, do Rodrigo Emílio e do António José de Brito. Ok, vamos lá para tribunal. Só espero que não nos saia em sorte o Juiz Rui Teixeira. (Isto foi uma provocação. O nosso debate segue dentro de momentos).
segunda-feira, setembro 08, 2003
É PARA QUE SAIBAM
Num debate que está, neste preciso momento, a decorrer na RTP1, sobre esse monumento ao positivismo saloio que é o Código da Estrada, um cidadão interveniente que não identifico, mas que tutela uma qualquer Direcção-Geral do ramo, proclamou esta pérola sobre a necessidade de aplicar penas severíssimas aos automobilistas: «reprimir não é reprimir! É cumprir a lei!».
Como vêem, não é em vão que aqui temos vindo a falar no problema da lei e dos limites do legislador num Estado de Direito democrático.
É para que saibam.
Num debate que está, neste preciso momento, a decorrer na RTP1, sobre esse monumento ao positivismo saloio que é o Código da Estrada, um cidadão interveniente que não identifico, mas que tutela uma qualquer Direcção-Geral do ramo, proclamou esta pérola sobre a necessidade de aplicar penas severíssimas aos automobilistas: «reprimir não é reprimir! É cumprir a lei!».
Como vêem, não é em vão que aqui temos vindo a falar no problema da lei e dos limites do legislador num Estado de Direito democrático.
É para que saibam.
O MELHOR DA SEMANA
O Mata-Mouros considerou-nos ontem o melhor blogue da semana. Recebemos a distinção, mas não a aceitamos. Desde logo, porque abundam na blogosfera blogues mais completos, diversificados e coerentes do que o nosso. Com gravurinhas e tudo. Mas também, porque um elogio em boca própria é vitupério.
Deste modo, considero que o blogue merecedor de tal prémio é o que está linkado no título desta posta.
O Mata-Mouros considerou-nos ontem o melhor blogue da semana. Recebemos a distinção, mas não a aceitamos. Desde logo, porque abundam na blogosfera blogues mais completos, diversificados e coerentes do que o nosso. Com gravurinhas e tudo. Mas também, porque um elogio em boca própria é vitupério.
Deste modo, considero que o blogue merecedor de tal prémio é o que está linkado no título desta posta.
IRREFLEXÕES 2
Responde o escriba:
Entre o branco e o preto existem, na verdade, uma infinidade de tonalidades cinzentas. O mesmo se passa com as outras cores primárias, o que me permite preferir o colorido do arco-íris ao cinzentismo frio e pesado.
Posto o que, sendo-me indiferente que você se sinta liberal, socialista, de esquerda, de direita, conservador ou progressista, continuo a constatar a existência de um hiato lógico entre quem acha, por um lado, que a intervenção do Estado deve ser "supletiva e residual", e, por outro, considera que "a mão invisível falha demasiadas vezes" por não ter olhos (característica comum a todas as mãos que conheço), aceitando que os olhinhos do Estado poderiam resolver essa falta de visão.
Ficou, no entanto, por me esclarecer a que esquerda se refere quando me diz que nem todas têm por finalidade derradeira mudar o homem e a sociedade, por via do dirigismo político estadual. Francamente, não conheço. Mesmo as correntes mais radicais que teoricamente pretendem conquistar o Estado para o eliminarem, têm em vista a construção de uma sociedade igualitária. Obviamente, até lá chegarem, a vanguarda do proletariado terá a enorme maçada de dirigir os destinos das massas e do proletariado. A coisa foi posta em prática nalguns sítios (sobretudo no Leste), com os belos resultados que todos conhecemos. E, ainda que se excluam esta versões hard de socialismo científico, sempre ficarão os socialismos de rosto humano e as social-democracias do norte da Europa, onde onde poderes do Estado são tudo menos residuais.
Também não me informou, a propósito dos ditos poderes "supletivos" do Estado, quais são os critérios que demarcam essa supletividade, nem até onde ela pode chegar. São critérios legais? E quem faz a lei, senão as assembleias eleitas em sufrágio universal, donde saem os titulares dos órgãos de soberania executiva do Estado. A sua "esquerda liberal" concebe limites aos poderes do legislador, ou acha normal, por exemplo, que se regressem às nacionalizações ou à reforma agrária se houver uma maioria parlamentar que o defenda?
Em conclusão, eu recomendar-lhe-ia que tomasse em atenção o que Mises e Popper (dois escribas inequivocamente liberais) disseram sobre o Estado e o liberalismo: o primeiro, afirma que é uma ilusão pensar que algum Governo, seja ele qual for, liberalize por motu proprio, isto é, que aceite perder poderes e competências em favor dos cidadãos; o segundo, nesta linha, reafirma que um liberal deve acautelar-se com a organização política da comunidade onde vive de modo a evitar que maus governantes utilizem poderes que, em teoria, competentemente manejados poderiam ser eficazes e úteis. Só que, em democracia, nós só conseguimos distinguir os bons dos maus governantes quando eles já estão a governar. O próprio Hitler, como saberá, foi eleito democraticamente e, durante algum tempo, socorreu-se das instituições parlamentares para estabelecer o seu governo.
Francamente, deixe-me dizer-lhe que não encontrei até hoje em todo o pensamento liberal ninguém que se preocupe mais em limitar a «mão invisível» do que as mãozinhas bem visíveis do Estado e dos seus governantes. O ilustre autor do Irreflexões foi o primeiro liberal que conheci mais preocupado em impor limites à liberdade individual do que à coacção estatal. Porque, não tenha dúvidas é de liberdade e coacção que falamos. O resto é conversa fiada.
Responde o escriba:
Entre o branco e o preto existem, na verdade, uma infinidade de tonalidades cinzentas. O mesmo se passa com as outras cores primárias, o que me permite preferir o colorido do arco-íris ao cinzentismo frio e pesado.
Posto o que, sendo-me indiferente que você se sinta liberal, socialista, de esquerda, de direita, conservador ou progressista, continuo a constatar a existência de um hiato lógico entre quem acha, por um lado, que a intervenção do Estado deve ser "supletiva e residual", e, por outro, considera que "a mão invisível falha demasiadas vezes" por não ter olhos (característica comum a todas as mãos que conheço), aceitando que os olhinhos do Estado poderiam resolver essa falta de visão.
Ficou, no entanto, por me esclarecer a que esquerda se refere quando me diz que nem todas têm por finalidade derradeira mudar o homem e a sociedade, por via do dirigismo político estadual. Francamente, não conheço. Mesmo as correntes mais radicais que teoricamente pretendem conquistar o Estado para o eliminarem, têm em vista a construção de uma sociedade igualitária. Obviamente, até lá chegarem, a vanguarda do proletariado terá a enorme maçada de dirigir os destinos das massas e do proletariado. A coisa foi posta em prática nalguns sítios (sobretudo no Leste), com os belos resultados que todos conhecemos. E, ainda que se excluam esta versões hard de socialismo científico, sempre ficarão os socialismos de rosto humano e as social-democracias do norte da Europa, onde onde poderes do Estado são tudo menos residuais.
Também não me informou, a propósito dos ditos poderes "supletivos" do Estado, quais são os critérios que demarcam essa supletividade, nem até onde ela pode chegar. São critérios legais? E quem faz a lei, senão as assembleias eleitas em sufrágio universal, donde saem os titulares dos órgãos de soberania executiva do Estado. A sua "esquerda liberal" concebe limites aos poderes do legislador, ou acha normal, por exemplo, que se regressem às nacionalizações ou à reforma agrária se houver uma maioria parlamentar que o defenda?
Em conclusão, eu recomendar-lhe-ia que tomasse em atenção o que Mises e Popper (dois escribas inequivocamente liberais) disseram sobre o Estado e o liberalismo: o primeiro, afirma que é uma ilusão pensar que algum Governo, seja ele qual for, liberalize por motu proprio, isto é, que aceite perder poderes e competências em favor dos cidadãos; o segundo, nesta linha, reafirma que um liberal deve acautelar-se com a organização política da comunidade onde vive de modo a evitar que maus governantes utilizem poderes que, em teoria, competentemente manejados poderiam ser eficazes e úteis. Só que, em democracia, nós só conseguimos distinguir os bons dos maus governantes quando eles já estão a governar. O próprio Hitler, como saberá, foi eleito democraticamente e, durante algum tempo, socorreu-se das instituições parlamentares para estabelecer o seu governo.
Francamente, deixe-me dizer-lhe que não encontrei até hoje em todo o pensamento liberal ninguém que se preocupe mais em limitar a «mão invisível» do que as mãozinhas bem visíveis do Estado e dos seus governantes. O ilustre autor do Irreflexões foi o primeiro liberal que conheci mais preocupado em impor limites à liberdade individual do que à coacção estatal. Porque, não tenha dúvidas é de liberdade e coacção que falamos. O resto é conversa fiada.
LINHAS DE ESQUERDA 2
O James do Linhas de Esquerda retorquiu a minha "posta" anterior, sobre costumes sexuais, democracia cristã e catolicismo. Fê-lo, desta vez, com mais cuidado e rigor do que tinha utilizado num texto anterior, pelo que o felicito por ter elevado o nível do debate.
Começaria por responder ao James, que me pergunta que Igreja frequento, que não frequento Igreja nenhuma. Não sou católico, quando muito serei um (mau) católico geográfico, dado ter nascido em Portugal, na época em que nasci. Não duvido que seria budista, se tenho nascido na China, maometano, se nascesse em Marrocos, hinduísta, na Índia e por aí em diante. Não renego a tradição judaíco-cristã milenar em que me integro e que, aliás, temos gravada no nosso código genético, mas não consegui ainda estabelecer com o sagrado uma ponte - tradicional ou hermética - que me sustente convicções. Infelizmente para mim, como compreenderá.
Não cometo, porém, o erro primário de certa esquerda de condenar a Igreja Católica por muitas das suas horríveis práticas, como a Inquisição, ou imputar-lhe responsabilidades que pertencem a pessoas concretas, como a pedofilia de alguns padres americanos. A Igreja Católica, Caro James, é uma instituição humana. Pode ter santos, mas não faz santos. Padece das grandezas e misérias do género humano, como todas as outras instituições. Mantém, obviamente, uma ortodoxia moral e uma escatologia conservadoras, porque essa é a sua essência e a sua missão. Concerteza que você não imaginaria o Papa a fazer apelo à liberdade sexual, ao divórcio, ao aborto. Convenhamos que, quando isso acontecesse, já não estaríamos perante uma Igreja, mas outra organização qualquer. A Igreja, qualquer Igreja, deve pedir aos seus fiéis que cumpram regras morais e comportamentais que são as regras de conduta que ela entende como as melhores para a preservação da dignidade humana, do corpo e do espírito, em vida, e da alma, na morte. Por isso, deixemos de criticar a Igreja Católica por ela não dizer o que nós queremos ouvir e tomemos a atitude honesta de dela nos afastarmos se quisermos seguir um caminho distante.
Outra questão é a de saber se todos os democrata-cristãos, ou mesmo os católicos, também pecam.
Certamente que sim. Aliás, é da essência do cristianismo o pecado, o arrependimento e o perdão. Ou seja, a salvação do Homem pela redenção. Por isso, você encontrará, sem dúvida, na Igreja Católica de hoje a condenação da homossexualidade, como não poderia deixar de ser, mas em fonte alguma devidamente autorizada e legitima você encontrará a condenação dos homossexuais em concreto. Ou das mães que praticam o aborto, etc. Isto é: o pecado contamina o pecador, mas não deve ser confundido com ele que pode sempre redimir-se. Ao contrário do que análise superficial pole levar a crer, a essência do catolicismo é a tolerância e o perdão. Nem podia ser de outra maneira. E nada disto colide com o facto da Igreja ter no seu seio homossexuais e condenar a homossexualidade, mães solteiras e condenar as relaxões sexuais extra-matrimoniais, em suma, de condenar o pecado e de receber os pecadores. Essa é a sua verdadeira missão.
Sobre a questão que nos prende desde o início - saber se um líder democrata-cristão pode ter uma vida privada distante do que prega para os outros (no caso vertente foi a homossexualidade que esteve em causa, mas pode ser, por exemplo a infidelidade conjugal ou outra) - claro que pode. Mas, há-de convir, que não se deverá sentir muito bem ao propor para os outros o que não aceita para si. Se o exercício do poder se justificar em si mesmo, nesse caso, vale tudo. Se estivermos na vida pública a defender posições que resultem de convicções, penso que há que tomar as devidas cautelas. Em homenagem a nós próprios, à nossa seriedade e idoneidade morais.
O James do Linhas de Esquerda retorquiu a minha "posta" anterior, sobre costumes sexuais, democracia cristã e catolicismo. Fê-lo, desta vez, com mais cuidado e rigor do que tinha utilizado num texto anterior, pelo que o felicito por ter elevado o nível do debate.
Começaria por responder ao James, que me pergunta que Igreja frequento, que não frequento Igreja nenhuma. Não sou católico, quando muito serei um (mau) católico geográfico, dado ter nascido em Portugal, na época em que nasci. Não duvido que seria budista, se tenho nascido na China, maometano, se nascesse em Marrocos, hinduísta, na Índia e por aí em diante. Não renego a tradição judaíco-cristã milenar em que me integro e que, aliás, temos gravada no nosso código genético, mas não consegui ainda estabelecer com o sagrado uma ponte - tradicional ou hermética - que me sustente convicções. Infelizmente para mim, como compreenderá.
Não cometo, porém, o erro primário de certa esquerda de condenar a Igreja Católica por muitas das suas horríveis práticas, como a Inquisição, ou imputar-lhe responsabilidades que pertencem a pessoas concretas, como a pedofilia de alguns padres americanos. A Igreja Católica, Caro James, é uma instituição humana. Pode ter santos, mas não faz santos. Padece das grandezas e misérias do género humano, como todas as outras instituições. Mantém, obviamente, uma ortodoxia moral e uma escatologia conservadoras, porque essa é a sua essência e a sua missão. Concerteza que você não imaginaria o Papa a fazer apelo à liberdade sexual, ao divórcio, ao aborto. Convenhamos que, quando isso acontecesse, já não estaríamos perante uma Igreja, mas outra organização qualquer. A Igreja, qualquer Igreja, deve pedir aos seus fiéis que cumpram regras morais e comportamentais que são as regras de conduta que ela entende como as melhores para a preservação da dignidade humana, do corpo e do espírito, em vida, e da alma, na morte. Por isso, deixemos de criticar a Igreja Católica por ela não dizer o que nós queremos ouvir e tomemos a atitude honesta de dela nos afastarmos se quisermos seguir um caminho distante.
Outra questão é a de saber se todos os democrata-cristãos, ou mesmo os católicos, também pecam.
Certamente que sim. Aliás, é da essência do cristianismo o pecado, o arrependimento e o perdão. Ou seja, a salvação do Homem pela redenção. Por isso, você encontrará, sem dúvida, na Igreja Católica de hoje a condenação da homossexualidade, como não poderia deixar de ser, mas em fonte alguma devidamente autorizada e legitima você encontrará a condenação dos homossexuais em concreto. Ou das mães que praticam o aborto, etc. Isto é: o pecado contamina o pecador, mas não deve ser confundido com ele que pode sempre redimir-se. Ao contrário do que análise superficial pole levar a crer, a essência do catolicismo é a tolerância e o perdão. Nem podia ser de outra maneira. E nada disto colide com o facto da Igreja ter no seu seio homossexuais e condenar a homossexualidade, mães solteiras e condenar as relaxões sexuais extra-matrimoniais, em suma, de condenar o pecado e de receber os pecadores. Essa é a sua verdadeira missão.
Sobre a questão que nos prende desde o início - saber se um líder democrata-cristão pode ter uma vida privada distante do que prega para os outros (no caso vertente foi a homossexualidade que esteve em causa, mas pode ser, por exemplo a infidelidade conjugal ou outra) - claro que pode. Mas, há-de convir, que não se deverá sentir muito bem ao propor para os outros o que não aceita para si. Se o exercício do poder se justificar em si mesmo, nesse caso, vale tudo. Se estivermos na vida pública a defender posições que resultem de convicções, penso que há que tomar as devidas cautelas. Em homenagem a nós próprios, à nossa seriedade e idoneidade morais.
CONSERVADORISMO DE ESQUERDA
James, autor do blogue Linhas de Esquerda é um moralista e um conservador, sentimentos cada vez mais em voga numa certa esquerda nostálgica, a que nos vamos habituando.
Só isso poderá explicar os termos em que censurou uma "posta" que aqui editámos há alguns dias, denominada «O Mundo já não é o mesmo», onde se comentava a revelação pública da homossexualidade de Mariano Rajoy e a sua posição de líder de um partido conservador e democrata-cristão.
Considerando um «apedrejamento» o teor do artigo, James dispara: «Com certeza o Cataláxia não ouviu a parte do "quem nunca pecou"? Apenas o atire a primeira pedra".
Eu começaria por esclarecer o James que, há muito tempo, nas sociedades ocidentais de cariz liberal e capitalista, não se considera a homossexualidade um pecado, mas uma opção sexual de carácter individual, matéria do foro íntimo, com a qual ninguém tem que ver. É, por conseguinte, de mau gosto admitir que um homossexual seja um pecador. E de um extremo conservadorismo que já nem nos sectores mais ultramontanos da Igreja Católica pensamos existir.
Em segundo lugar, pretendo esclarecer o James que nada do que está escrito na "posta" em causa critica ou, sequer, qualifica moralmente, a opção sexual do Sr. Rajoy. Que tem direito a tê-la, a reservá-la na sua intimidade e não dar dela satisfações seja a quem for.
Porém, o sentido do nosso texto, era o de achar difícil que alguém lídere um partido conservador e democrata-cristão tendo uma opção sexual difícil de se conciliar com esses valores. Eu exemplifico: a Igreja, que eu saiba, continua a defender a família monogâmica, a condenar as uniões homossexuais, a rebelar-se contra o divórcio, o aborto, o uso dos preservativos, as relações sexuais pré-matrimoniais. Ora, um líder de um partido democrata-cristão, por mais que queira, não se pode distanciar muito disto. Ou não deve. Pergunto-lhe: acha que bate a bota com a perdigota? Poderá alguém que não faça da política um mero exercício de estilo para a conquista do poder, sentir-se bem num papel destes?
Por mim, que não sou nem democrata-cristão, nem homossexual, não condeno quem tenha feito estas opções. Nem tenho, em rigor, que as apreciar. A não ser que elas sejam públicas e contraditórias, como me parece, sublinho, me parece, ser o caso.
É verdade: um dos motivos que me levou a escrever o texto foi o gozo de ver o PSOE a descer abruptamente nas sondagens, depois do seu líder e do sinistro Alfonso Guerra terem dado publicamente uma demonstração do reaccionarismo mais alarve de que há memória na democracia espanhola. Sabe, James, as pessoas nas sociedades liberais e capitalistas dão-se mal com o conservadorismo reaccionário.
James, autor do blogue Linhas de Esquerda é um moralista e um conservador, sentimentos cada vez mais em voga numa certa esquerda nostálgica, a que nos vamos habituando.
Só isso poderá explicar os termos em que censurou uma "posta" que aqui editámos há alguns dias, denominada «O Mundo já não é o mesmo», onde se comentava a revelação pública da homossexualidade de Mariano Rajoy e a sua posição de líder de um partido conservador e democrata-cristão.
Considerando um «apedrejamento» o teor do artigo, James dispara: «Com certeza o Cataláxia não ouviu a parte do "quem nunca pecou"? Apenas o atire a primeira pedra".
Eu começaria por esclarecer o James que, há muito tempo, nas sociedades ocidentais de cariz liberal e capitalista, não se considera a homossexualidade um pecado, mas uma opção sexual de carácter individual, matéria do foro íntimo, com a qual ninguém tem que ver. É, por conseguinte, de mau gosto admitir que um homossexual seja um pecador. E de um extremo conservadorismo que já nem nos sectores mais ultramontanos da Igreja Católica pensamos existir.
Em segundo lugar, pretendo esclarecer o James que nada do que está escrito na "posta" em causa critica ou, sequer, qualifica moralmente, a opção sexual do Sr. Rajoy. Que tem direito a tê-la, a reservá-la na sua intimidade e não dar dela satisfações seja a quem for.
Porém, o sentido do nosso texto, era o de achar difícil que alguém lídere um partido conservador e democrata-cristão tendo uma opção sexual difícil de se conciliar com esses valores. Eu exemplifico: a Igreja, que eu saiba, continua a defender a família monogâmica, a condenar as uniões homossexuais, a rebelar-se contra o divórcio, o aborto, o uso dos preservativos, as relações sexuais pré-matrimoniais. Ora, um líder de um partido democrata-cristão, por mais que queira, não se pode distanciar muito disto. Ou não deve. Pergunto-lhe: acha que bate a bota com a perdigota? Poderá alguém que não faça da política um mero exercício de estilo para a conquista do poder, sentir-se bem num papel destes?
Por mim, que não sou nem democrata-cristão, nem homossexual, não condeno quem tenha feito estas opções. Nem tenho, em rigor, que as apreciar. A não ser que elas sejam públicas e contraditórias, como me parece, sublinho, me parece, ser o caso.
É verdade: um dos motivos que me levou a escrever o texto foi o gozo de ver o PSOE a descer abruptamente nas sondagens, depois do seu líder e do sinistro Alfonso Guerra terem dado publicamente uma demonstração do reaccionarismo mais alarve de que há memória na democracia espanhola. Sabe, James, as pessoas nas sociedades liberais e capitalistas dão-se mal com o conservadorismo reaccionário.
domingo, setembro 07, 2003
ORTODOXIA CASAPIANA
Adelino Granja a quem, por razões de pura distracção, chamei João Granja numa “posta” editada algures aí em baixo, disse, numa entrevista a um jornal, que algumas das trinta e duas testemunhas do processo Casa Pia poderiam estar a mentir, pelo menos, em parte dos seus depoimentos. Levantou, ainda, algumas reservas sobre o andamento do processo, sem, contudo, dizer nada que pudesse invalidar o essencial: que aquelas crianças foram vítimas da mais terrível infâmia que sobre elas poderia recair e que há que lhes fazer justiça.
Pela posição que, desde o começo, ocupa em todo este imbróglio, Adelino Granja tem toda a legitimidade para dizer o que disse: conhece o caso, os intervenientes e presume-se que a quase totalidade dos acontecimentos. Pelo menos, os mais importantes. Por outro lado, como é evidente, ninguém no seu estado normal de lucidez, poderá afiançar a completa idoneidade de trinta e duas testemunhas, nem pôr as mãos no fogo pelos seus depoimentos. Tratando-se, ainda por cima, de pessoas muito jovens, algumas ainda na infância, outras, mais velhas, a quem a vida tem sido profundamente ingrata e com destinos que julgo muito desiguais, nada garante que não possam existir vulnerabilidades e até falsidades nos seus depoimentos. Para averiguar isso mesmo, existem, nos Estados de Direito, aquelas “coisas” chamadas tribunais, donde se esperam apreciações isentas, idóneas, e decisões finais chamadas sentenças que «reponham a Justiça, dando a cada um aquilo que é seu». Neste caso, às crianças, a dignidade que elas merecem e a reparação pelo mal sofrido, aos violadores, pesadas penas de prisão e ao Estado português, pesadíssimas multas.
Mas Pedro Namora, uma personagem com contornos cada vez mais desagradáveis, perante as naturais reservas do seu antigo amigo, logo se prestou a declarar à comunicação social que eram gravíssimas tais reservas, que Granja estaria a soldo de inconfessáveis «jogos», subentende-se, em favor dos arguidos, e que o Ministério Público os deveria chamar para «apurar responsabilidades». Tudo isto, obviamente, em defesa das crianças, da verdade, em suma, da ortodoxia casapiana, segundo a qual todas as crianças envolvidas são seres alados, anjos renascentistas, e todos os arguidos bandidos sem coração.
Ora, assim sendo, não há qualquer necessidade de se proceder a essa maçada sem nome que é um julgamento de todo este caso: condenam-se já os arguidos, poupa-se dinheiro ao Estado e tempo a todos, e mete-se definitivamente uma pedra em cima do assunto.
O Sr. Pedro Namora estaria bem num tribunal do Santo Ofício, ou numa purga estalinista, ou num julgamento popular da revolução cultural chinesa. Num Estado de Direito não faz sentido que lhe dêem tempo de antena e assusta-me que ele o tenha.
Adelino Granja a quem, por razões de pura distracção, chamei João Granja numa “posta” editada algures aí em baixo, disse, numa entrevista a um jornal, que algumas das trinta e duas testemunhas do processo Casa Pia poderiam estar a mentir, pelo menos, em parte dos seus depoimentos. Levantou, ainda, algumas reservas sobre o andamento do processo, sem, contudo, dizer nada que pudesse invalidar o essencial: que aquelas crianças foram vítimas da mais terrível infâmia que sobre elas poderia recair e que há que lhes fazer justiça.
Pela posição que, desde o começo, ocupa em todo este imbróglio, Adelino Granja tem toda a legitimidade para dizer o que disse: conhece o caso, os intervenientes e presume-se que a quase totalidade dos acontecimentos. Pelo menos, os mais importantes. Por outro lado, como é evidente, ninguém no seu estado normal de lucidez, poderá afiançar a completa idoneidade de trinta e duas testemunhas, nem pôr as mãos no fogo pelos seus depoimentos. Tratando-se, ainda por cima, de pessoas muito jovens, algumas ainda na infância, outras, mais velhas, a quem a vida tem sido profundamente ingrata e com destinos que julgo muito desiguais, nada garante que não possam existir vulnerabilidades e até falsidades nos seus depoimentos. Para averiguar isso mesmo, existem, nos Estados de Direito, aquelas “coisas” chamadas tribunais, donde se esperam apreciações isentas, idóneas, e decisões finais chamadas sentenças que «reponham a Justiça, dando a cada um aquilo que é seu». Neste caso, às crianças, a dignidade que elas merecem e a reparação pelo mal sofrido, aos violadores, pesadas penas de prisão e ao Estado português, pesadíssimas multas.
Mas Pedro Namora, uma personagem com contornos cada vez mais desagradáveis, perante as naturais reservas do seu antigo amigo, logo se prestou a declarar à comunicação social que eram gravíssimas tais reservas, que Granja estaria a soldo de inconfessáveis «jogos», subentende-se, em favor dos arguidos, e que o Ministério Público os deveria chamar para «apurar responsabilidades». Tudo isto, obviamente, em defesa das crianças, da verdade, em suma, da ortodoxia casapiana, segundo a qual todas as crianças envolvidas são seres alados, anjos renascentistas, e todos os arguidos bandidos sem coração.
Ora, assim sendo, não há qualquer necessidade de se proceder a essa maçada sem nome que é um julgamento de todo este caso: condenam-se já os arguidos, poupa-se dinheiro ao Estado e tempo a todos, e mete-se definitivamente uma pedra em cima do assunto.
O Sr. Pedro Namora estaria bem num tribunal do Santo Ofício, ou numa purga estalinista, ou num julgamento popular da revolução cultural chinesa. Num Estado de Direito não faz sentido que lhe dêem tempo de antena e assusta-me que ele o tenha.
AGRADECIMENTOS E REFERÊNCIAS
Ao longo da última semana, alguns blogues referiam elogiosamente o Cataláxia e alguns textos aqui editados. Agradecemos, por isso, aos blogues Intermitente, Desesperada Esperança, Fumaças, Liberdade de Expressão, Homem a Dias, De Direita, Mata-Mouros e Veto Político, que têm a particularidade de serem blogues de consulta e leitura diárias. Por isso, os elogios recebidos têm um valor redobrado.
Em matéria de novos blogues, salientamos o Abram os Olhos que, inserindo-se num género diferente do nosso, mais literário e retratista, tem textos de boa qualidade que vale a pena consultar.
O NetEconomia do João Pedro Granja e de mais alguns colegas, está em grande e merece ser visitado com frequência. Sobretudo, os textos escritos pelo João Pedro, inscritos na melhor tradição liberal
Ao longo da última semana, alguns blogues referiam elogiosamente o Cataláxia e alguns textos aqui editados. Agradecemos, por isso, aos blogues Intermitente, Desesperada Esperança, Fumaças, Liberdade de Expressão, Homem a Dias, De Direita, Mata-Mouros e Veto Político, que têm a particularidade de serem blogues de consulta e leitura diárias. Por isso, os elogios recebidos têm um valor redobrado.
Em matéria de novos blogues, salientamos o Abram os Olhos que, inserindo-se num género diferente do nosso, mais literário e retratista, tem textos de boa qualidade que vale a pena consultar.
O NetEconomia do João Pedro Granja e de mais alguns colegas, está em grande e merece ser visitado com frequência. Sobretudo, os textos escritos pelo João Pedro, inscritos na melhor tradição liberal